A razão pela qual a mídia brasileira teme o governo Kirchner


"Estas jovens democracias latino-americanas precisavam mesmo de uma sacudida de realidade: um Estado colocando sobre a mesa a urgente e imprescindível necessidade de reivindicar seu poder como concessionário das licenças públicas de rádio e televisão".

A mídia brasileira está obcecada pelo caso Nisman. O promotor que apareceu morto um dia antes de apresentar uma grave denúncia contra a presidenta Kirchner por ter encoberto terroristas quw explodiram a embaixada israelense em Buenos Aires em 1994 virou estrela da editoria internacional do noticiário televisivo brasileiro, neste janeiro de seca e escândalo da Petrobras.

Por Daniel Oiticica, para o Diário do Centro do Mundo*

A mídia brasileira odeia e teme o governo Kirchner. Deixemos no armário questões ideológicas ou intenções políticas. É uma ojeriza que tem mais a ver com o mercadológico. O casal Kirchner foi, nada mais e nada menos, que uma espécie de pioneiros em coragem (leia-se culhão) de comprar uma briga necessária.
Estas jovens democracias latino-americanas precisavam mesmo de uma sacudida de realidade: um Estado colocando sobre a mesa a urgente e imprescindível necessidade de reivindicar seu poder como concessionário das licenças públicas de rádio e televisão, divididas discricionariamente nos anos de chumbo entre o interesse do poder de fato (leia-se governos ditatoriais) e os interesses privados de empresas de comunicação da época.
Essa é uma realidade histórica que deve sempre ser exposta como pano de fundo de quase todos os movimentos midiáticos que têm divido estas nossas frágeis democracias latino-americanas. E não me venham com que um mea-culpa basta.

O caso do promotor Nisman é emblemático.

A verdade é que a mídia brasileira tem prestado um (des)serviço ao povo brasileiro na cobertura deste caso. Essa constatação não está relacionada a nenhuma ideologia. O que a mídia não conta é que a morte misteriosa – e inaceitável – deste funcionário da Justiça Argentina não modificou em nada o cenário judicial deste “culebron” policial.
A denúncia se tornou pública dois dias depois de sua morte. E basta um pouco de paciência + Google para descobrir que para acusar alguém só se precisa de um promotor e uma denúncia. No caso argentino, promotor não vai faltar. O problema aqui é a denúncia.
Nisman escreveu 300 páginas para fundamentar seu pedido de prisão contra Cristina, seu chanceler e um deputado governista. Neste escrito, um dos principais itens é um suposto pedido do governo argentino ao Irã para o cancelamento de alertas vermelhos da Interpol contra um grupo de cidadãos iranianos, acusados do ataque à embaixada de Israel, há 20 anos.
A própria Interpol já desmentiu oficialmente esta informação. Mas a denúncia (e as suspeitas contra Cristina) continuam aí, utilizadas por um novo fiscal e nas manchetes da obcecada e desinformada mídia brasileira.

*Daniel Oiticica é um jornalista brasileiro radicado na Argentina. Entre outras funções, foi correspondente do site Blue Bus