Por Antonio Barbosa Filho
Estudiosos de marketing em todo o mundo dedicam-se a um campo relativamente novo nesta área, que é a criação e as características da chamada “nation brand” ou “marca-país”. Já em 1965, pesquisas aplicadas mostraram que o consumidor dá avaliações diferentes a um mesmo produto que lhe é oferecido, dependendo do rótulo “fabricado em…”, ou seja, ele leva em consideração a localidade de origem na hora de decidir uma compra.
A partir deste dado, muitos estudos se seguiram, e o conceito de “marca-país” passou a ser discutido seriamente como fator importante no comércio e na propaganda mundiais. Está consolidada, por exemplo, a distinção entre “identidade nacional” (conjunto dos elementos que dão personalidade a um país, incluindo sua história, geografia, artes, cidadãos famosos, etc.) e “imagem nacional” (a maneira como o país é visto nos demais países e no mundo como um todo). A identidade forma-se historicamente; a imagem pode ser melhorada, assim como pode piorar, e há vários métodos para medi-la tecnicamente.
A imagem é levada em conta, segundo pesquisas, também pelos executivos de grandes empresas com poder de decidir a destinação de investimentos num determinado país. Estudo do Communication Group e do Think Tank You Gov, da Grã-Bretanha, em 2006, concluiu que 92% desses executivos afirmam que a imagem de um país é “fator vital” para suas escolhas. 65% acham difícil decidir por um novo empreendimento apenas baseado em “hard factors” - fatores estritamente numéricos - e 60% afirmam que os “soft factors” ( estilo de vida, arquitetura, artes, etc.) são crescentemente importantes.
Ora, um evento como a Copa do Mundo de Futebol é um momento privilegiado para o país-sede incrementar a sua imagem positiva no exterior, partindo de sua “identidade” e agregando novos valores ao conjunto de sua representação mercadológica. Segundo o professor Marco Antonio Ocke, da USP, “para o país-sede, a Copa mostra-se eficaz ferramenta de promoção da localidade como força econômica com o objetivo de captar investimentos, atrair visitantes, moradores e profissionais, fomentar o comércio, a indústria e as exportações”.
Ao organizar o campeonato de 2006, a Alemanha usou-o para reaquecer sua economia, que atravessava fase de baixa depois dos custos da reintegração. Com o slogan “Um mundo entre amigos”, o país gerou cerca de 4 mil empregos por ano desde o anúncio dos jogos, alavancando cerca de 10 bilhões de euros para sua economia. Houve um crescimento geral do PIB e grandes obras e avanços nas áreas esportiva, de turismo e de tecnologia da informação.
A Copa é tal oportunidade de promoção mundial que a Austrália, por exemplo, de onde sairá o terceiro maior contingente de visitantes, cerca de 20 mil, realizará uma série de eventos culturais nas cidades onde sua seleção nacional se hospedará ou jogará, Vitória, Cuiabá, Curitiba e Porto Alegre. O país tem 40 bilhões de reais investidos no Brasil, recebe 20 mil estudantes brasileiros por ano, e quer aproveitar a Copa para ampliar sua presença em todos os setores. Também a Holanda promoverá exposições e eventos paralelos à Copa, como outros países. Cabe ao Brasil esperar que todos os países visitantes levam daqui muito mais do que vão trazer.
O fato político-eleitoral
Os planos do governo brasileiro para a Copa de 2014 incluem “agregar novos elementos à imagem do país (economia forte, capacidade de inovação, sustentabilidade) sem deixar de reforçar as características positivas pelas quais o país já é conhecido (hospitalidade, belezas naturais, diversidade cultural)”. No tema “negócios”, o planejamento dos órgãos envolvidos com o mega-evento prevê, internamente, “estimular a descentralização econômica, potencializando e atraindo investimentos para as diversas regiões; e estimular a cultura do empreendedorismo a partir da Copa”.
Na frente externa, pretende-se “imprimir à imagem dos produtos e marcas brasileiras atributos de tecnologia, qualidade, inovação e sustentabilidade, contribuindo para o aumento das exportações; apresentar o país como fonte de oportunidades para parcerias e soluções sustentáveis de alto crescimento; e atrelar à imagem do país sua importância para a economia e a política internacionais”.
Vê-se que muito além dos campos de futebol, que reunirão centenas de milhares de torcedores em doze capitais de Estados, há muito mais em jogo. O Brasil pode galgar um degrau importante no seu conceito geopolítico e comercial, ampliando sua presença no cenário internacional do século que começa. Ou pode mostrar-se um país carente de organização, governabilidade e eficiência, fatores que valem, no mínimo, tanto quanto a simpatia de seu povo, a beleza de suas paisagens, a riqueza de sua Cultura.
As manifestações de rua contra a realização da Copa não chegam a preocupar, já que são normais em todos os países democráticos. A menos que resvalem para depredações de grande porte, ou causem vítimas brasileiras e estrangeiras - para o que o governo federal, os estaduais e municipais afirmam estar devidamente preparados, inclusive com respaldo de órgãos de segurança dos países participantes - os protestos podem até servir de atestado de nossa estabilidade política, da ampla liberdade de manifestação, da maturidade democrática do país - pontos positivos para a “imagem”.
Esta imagem vinha melhorando ao longo dos últimos dez ou quinze anos. Em termos de eventos, a Copa das Confederações da FIFA, em meados do ano passado, foi um teste muito positivo. A audiência internacional de TV na final entre Brasil e Espanha foi 50% maior do que a final da última Copa do Mundo, entre Holanda e Espanha. Dos estrangeiros que aqui estiveram para a competição, 75,8% disseram em pesquisas que pretendiam voltar ao Brasil para a Copa de 2014. 70% afirmaram que tiveram suas expectativas com o país atendidas ou superadas; 95% aprovaram os estádios; 72% aprovaram os transportes públicos (!), e 88% gostaram dos serviços de táxi. Também foi um sucesso a “disponibilidade dos funcionários nos estádios e outras instalações em dar informações”, elogiada por 89,5% dos turistas-torcedores. Já a qualidade e preço da alimentação nos estádios foi reprovada por 78,2%.
De poucos meses para cá, cresceu o número de reportagens negativas na mídia internacional sobre o Brasil, mas isso resulta do próprio fato de as atenções do mundo estarem se concentrando mais no país. Os problemas mostrados, e os preconceitos revelados, por exemplo, pela revista liberal The Economist, que chamou os brasileiros de “preguiçosos”, ou pelo jornal sensacionalista Daily Mirror, que colocou Manaus entre as cidades mais perigosas do mundo, cujos riscos incluem “cobras venenosas e tarântulas” são reversíveis. Tudo depende da normalidade dos jogos, da recepção aos turistas e torcedores, e do funcionamento razoável da infraestrutura.
O fator mais preocupante é outro: a oposição política ao governo Dilma Rousseff, nesse ano eleitoral, tem demonstrado que o fracasso da Copa do Mundo lhe convém. Ela teme que a vitória da seleção brasileira leve o país a uma tal euforia que isso contagie o governo e influa numa fácil vitória da candidata do PT. Assim, há evidente torcida entre forças políticas de extrema-esquerda, do centro-direita e de pequenos grupos de extrema-direita (aqueles que convocaram marchas em favor de um golpe militar, fracassadas em 22 de março último), para que o Brasil saia derrotado dentro e fora dos gramados. Um caos nas cidades-sede seria de grande proveito para as oposições na campanha eleitoral que se aproxima, e para a qual elas não parecem contar com propostas e candidatos capazes de reverter o favoritismo de Dilma em todas as pesquisas, até agora.
Apostar num fracasso da Copa, porém, envolve muito mais do que o episódio eleitoral. Como vimos, a “marca-país” é algo muito mais sério, importa a várias gerações, e seria lamentável que brasileiros, propositadamente, ajudassem a detonar uma construção tão difícil. Já nos bastam os problemas que realmente temos; não precisamos de outros gerados pela ambição de poder de alguns políticos. Além disso, não há provas de que o resultado da Copa influa decisivamente nas eleições. Já o prejuízo em termos de imagem internacional do país, caso o Brasil falhe, este é previsível cientificamente, e os danos custarão décadas a serem reparados, afetando, inclusive, o próximo megaevento, os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.