POR QUE LULA E GUSTAVO PETRO ESTÃO ALINHADOS À POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS CONTRA A VENEZUELA?

por Nelson Barrios González/VE --------- “Deve haver dois Estados Unidos, um que liberte os cativos e outro que prive os cativos libertos da sua liberdade recém-adquirida, envolva-se numa disputa infundada com eles e depois mate-os para manter as suas terras.” [1]- Marcos Twain ------------------- Para muitos venezuelanos e estrangeiros que simpatizam com a revolução bolivariana, parece um tanto estranho que os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula Da Silva, e da Colômbia, Gustavo Petro, tenham assumido um comportamento abertamente intervencionista em relação às eleições presidenciais recentemente realizadas em Venezuela e em que os setores da extrema oposição, financiados pelos Estados Unidos, decidiram ignorar os resultados, argumentando que o Conselho Nacional Eleitoral cometeu fraude contra o seu candidato Edmundo González Urrutia. Felizmente, as razões para estas posições são agora conhecidas porque o americano Mark Feierstein, que serviu como Diretor Sénior de Assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, foi o responsável por esclarecer que estes dois presidentes estavam comprometidos com os planos desde o início. Estados Unidos. [2] Já é segredo público que parte da explicação deste quadro se explica porque tanto o assessor especial do presidente Lula, Celso Amorim [3] quanto o ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, são homens da política externa americana. Os traidores parecem esquecer que não importa o quanto corram, a verdade sempre os alcança. A primeira coisa a ficar clara é que a Venezuela é chamada a desempenhar um papel muito significativo na configuração da nova ordem mundial em curso devido essencialmente às suas reservas de petróleo e gás, bem como a outros recursos minerais cobiçados por grandes potências como o ouro , urânio, lítio, diamantes, coltan, ferro, terras raras, etc. Se, como produto da ganância imperial, a Venezuela fosse invadida, e como resultado dessa conflagração, se explodisse em mil pedaços, os primeiros a beneficiar seriam os seus vizinhos, os seus vizinhos são: Colômbia, Brasil, República Cooperativa da Guiana (ou seja, os Estados Unidos), Trinidad e Tobago e Países Baixos (Aruba, Curaçao e Bonaire). Todos vão querer ficar com um pedacinho da Venezuela, o que os leva a mostrar as suas cartas sem maiores dissimulações. A má notícia para todos eles é que isso não vai acontecer. O Brasil é o maior e mais desenvolvido dos dois vizinhos insolentes, mas também, caso você esqueça, o parceiro da Venezuela nos BRICS. Não é surpreendente que durante o processo de filiação da Venezuela aos BRICS, Lula nunca tenha dito nada e, aparentemente, quase nem intercedeu para que a Venezuela se juntasse a essa nova coligação político-económica que desafiou o G-7? A Venezuela aparentemente recebeu mais ajuda da Rússia e da China, e possivelmente do Irão, para aderir aos BRICS do que do seu vizinho Brasil. Em particular, penso que os BRICS têm um problema grave que mais cedo ou mais tarde terão de resolver: iniciar uma jornada com um parceiro como o Brasil, para dizer o mínimo, inseguro ou ambivalente.
O Brasil é um país com mais de 200 milhões de habitantes mas com uma taxa de pobreza em torno de 30%, ou seja, aproximadamente 60 milhões de pessoas. Isso deve causar muita dor de cabeça. Assim, se a Venezuela consolidar a sua participação nos BRICS e os seus novos parceiros realizarem os investimentos que a economia venezuelana necessita para sair do colapso causado pelas medidas coercivas unilaterais dos Estados Unidos e da União Europeia sobre a economia venezuelana, juntamente com a consolidação da Com o novo modelo económico promovido pelo governo de Nicolás Maduro, é óbvio que dentro de alguns anos a ideia de prosperidade fará parte do discurso quotidiano dos venezuelanos e dos seus vizinhos. Isto deve ser uma grande preocupação para o Brasil, que quer projectar-se como a grande potência da América do Sul, especialmente agora que a Argentina caiu na vala às mãos do seu presidente bizarro e perturbado. Em relação a Petro, é preciso dizer que para ele, como para todos os seus antecessores no governo, a única coisa que lhe importa na Venezuela são pelo menos três coisas: 1) Os petrodólares daquilo que compramos dele porque durante muitos anos, o balança de pagamentos entre os dois países, favoreceu-os numa média de 7 para 3, e este deve continuar a ser o caso; Caso contrário, Petro não está interessado na Venezuela. [4] É por isso que a Venezuela não deve desenvolver ou mudar o seu modelo económico. 2) Que a Venezuela continue a receber toda a migração colombiana e não o contrário, porque cada colombiano que sai do país para ir para o exterior é um problema a menos para a comprometida economia colombiana. 3) Com sete bases militares gringas em seu território, Petro tem uma margem de jogo muito estreita, por isso de vez em quando tem que acariciar os escrotos dos gringos para cair nas boas graças deles e permitir que ele termine seu mandato “histórico”. Até por isso abusa da Venezuela, já que se autodenomina “bolivariano”. Você se lembra da questão da espada de Bolívar durante os atos formais de sua entronização presidencial? Feito este esclarecimento, tentaremos analisar por que os presidentes Lula Da Silva e Petro, ao darem a sua opinião como o fazem, ignoraram importantes referências históricas que posicionam o império norte-americano com um domínio infeliz sobre as sociedades do Terceiro Mundo. Quando os Estados Unidos concordam ou agradam aos Estados Unidos numa questão tão estratégica como não conhecer os resultados de eleições automatizadas cuja informação não pode ser modificada, a menos que todos os candidatos (incluindo os da oposição) ou os seus representantes concordem em fazê-lo, e assim. colocam em dúvida a veracidade do que foi relatado por suas autoridades, presta-se um desserviço à democracia como conceito e à democracia venezuelana em particular, entre outras razões porque é suficientemente conhecido que os sistemas eleitorais de ambos os países (Brasil e Colômbia) acusam uma demora tão grande que torna compreensível que ambos os presidentes não entendam o sistema eleitoral venezuelano e que os leva a emitir opiniões imprudentes, como “repetir as eleições”. Qual seria o erro internacional destes dois senhores que o presidente mexicano Manuel López Obrador se viu obrigado a apontar a ambos que “…ele não acredita que seja prudente pedir novas eleições na Venezuela”, lembrando-lhes que tinham que esperar que o Supremo Tribunal de Justiça (TSJ) diga a última palavra conforme prevê a Constituição da República Bolivariana da Venezuela. Como se não bastasse, López Obrador permitiu-se lembrar a Lula e Petro que: “…não acredito [que] nós de fora, [ou] um governo estrangeiro, seja ele quem for, tenhamos uma opinião sobre algo que corresponda aos venezuelanos para resolver” [5] Quer que fique mais claro? Que diferença tem havido entre a política da Colômbia em relação à Venezuela e a da Venezuela em relação à Colômbia. Os colombianos matam-se há quase um século numa guerra que parece não ter fim e nunca ocorreu a um governante venezuelano aliar-se a governos estrangeiros para prejudicar os governos colombianos. Pelo contrário, sempre desempenhou o papel de. fiador das conversações entre as partes em disputa.
Não ocorreu a Lula e Petro, com base na sua vasta experiência política, suspeitar que os interesses dos Estados Unidos estão obsessivamente direcionados para acabar com a democracia revolucionária da Venezuela. Aqueles que deveriam ser cultos e instruídos não conseguem lembrar que o que os Estados Unidos estão tentando com a Venezuela é a mesma coisa que já fizeram com outros países, que não é preciso quebrar muito a cabeça mas simplesmente associam que o que querem com a Venezuela é exatamente a mesma coisa que fizeram com a Bolívia em 2019, quando arquitetaram um golpe contra Evo Morales usando a OEA. Já esqueceram ou concordaram com aquele golpe de mestre que tirou Evo Morales da presidência da Bolívia? Tudo faz parte do manual imperial americano contra o que Chomsky chamou de “a heresia do nacionalismo independente” [6], que consiste no fato de que o país que sai do redil imperial se torna uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos devido ao “… temido efeito mimético que pode desencadear um desenvolvimento independente e próspero.” (Ibidem). Assim terminaram muitas experiências políticas no mundo. [7] Para este fim, Chomsky recorda a “…conferência do hemisfério ocidental convocada pelos Estados Unidos no México em Fevereiro de 1945, na qual Washington impôs a Carta Económica das Américas, destinada a eliminar o nacionalismo económico em todas as suas formas”. [8] Em outras palavras, a ideia era que se os países latino-americanos pensassem que os primeiros beneficiários do desenvolvimento dos recursos de um país eram os habitantes desse país, eles estavam errados, os primeiros beneficiários, para os Estados Unidos, deveriam ser os; investidores americanos, enquanto a América Latina tinha que cumprir a sua função de serviço. Numa ocasião, perguntaram a Chomsky se o principal objectivo dos Estados Unidos quando intervêm nos países do Terceiro Mundo é destruir governos de esquerda para mantê-los fora do poder?, e a sua resposta foi Não, que “…o principal interesse é evitar a independência, independentemente das ideologias. Lembre-se que somos uma potência global, por isso temos de garantir que as várias partes do mundo continuam a cumprir as funções que lhes atribuímos no nosso sistema global. E as funções atribuídas aos países do Terceiro Mundo consistem em ser mercados para empresas norte-americanas, uma fonte de recursos para empresas norte-americanas e fornecer mão-de-obra barata para empresas norte-americanas.” [9] É muito difícil compreender que a Venezuela conquistou a animosidade americana pela sua política independente e soberana? Esta história da ditadura de Maduro já não engana ninguém e quem quiser acreditar nela deve não só acreditar, mas também fundamentá-la teoricamente; O intervencionismo americano, disse Chomsky, “…não tem nada a ver com a resistência à propagação do comunismo, o que sempre nos opomos em todos os lugares é a independência…” Consequentemente, os argumentos de Lula e Petro servem apenas para enganar os incautos e não acreditamos que Lula e Petro são ambos incautos, no máximo poderíamos pensar que são tímidos ou de coração mole. Lula e Petro esqueceram os motivos de todo o sofrimento que os Estados Unidos causaram ao povo cubano? Sobre este assunto, Chomsky cita Arthur Schlesinger [10] (1917-2007) que, ao referir-se a Cuba, disse: “O perigo (de Cuba) consistia na difusão da “ideia de Castro segundo a qual era preciso encarregar-se de assuntos próprios.” ”, um problema crucial numa região como a América Latina, caracterizada pela forte concentração de riqueza. “Os pobres e os menos privilegiados, estimulados pelo exemplo da Revolução Cubana, exigem oportunidades para uma vida digna.” Em última análise, essa é a ameaça.” [11] Nos cenários actuais, o desafio internacional dos Estados Unidos, em tempos de declínio da sua hegemonia, centra-se em evitar o triunfo de projectos políticos nacionalistas comprometidos com as lutas pela concretização dos direitos sociais, económicos e culturais dos cidadãos sociais. maiorias e com a aplicação de modelos alternativos de diversificação e organização da produção. A independência e a soberania das nações serão ferozmente atacadas num período que corresponde a uma mutação que colocou o sistema capitalista mundial em cuidados intensivos. Nas palavras do gangster económico [12] John Perkins, a atitude dos Estados Unidos contra a Venezuela é a reacção “…a um líder (Hugo Chávez) que representou um obstáculo na marcha da corporatocracia em direcção ao império global.” [13] Neste panorama, a Venezuela representa uma combinação explosiva de riqueza de recursos naturais, talentos humanos e experiências inovadoras no sistema económico de produção. Isto não é facilmente perdoado porque se torna um exemplo de transformações e conquistas de um povo organizado e determinado a apropriar-se dos seus recursos, das suas ciências, das suas tecnologias, dos seus conhecimentos culturais e das suas instituições políticas e sociais para os colocar ao serviço da maioria. --------------------------- GRAUS: 1.- Cf. Twain, Marcos. “Para a pessoa que se senta no escuro.” É um escrito publicado em 1901 e trata da Guerra Filipino-Americana, conflito que a história registra como a primeira guerra de libertação nacional do século XX e que ocorreu entre 04/02/1899 até 16/04/1902. Disponível em: https://www.uv.es/ivorra/Historia/SXX/persona.html 2.- Consulte o documento Como impedir um golpe de estado. Disponível em: https://www.wilsoncenter.org/sites/default/files/media/uploads/documents/Venezuela%20Desk_MF_2.pdf 3.- Celso Luiz Nunes Amorim é um diplomata de carreira que já atuou duas vezes como Ministro das Relações Exteriores do Brasil e também como Ministro da Defesa. Em 2009, foi eleito pela revista americana Foreign Policy o melhor ministro das Relações Exteriores do mundo. Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Celso_Amorim 4.- Um exemplo confiável desta situação ficou evidente na crise econômica que se criou nas cidades colombianas que fazem fronteira com a Venezuela depois que em 20 de agosto de 2015 o presidente Nicolás Maduro decidiu fechar a fronteira com a Colômbia após os acontecimentos do dia anterior em que três soldados das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) ficaram gravemente feridos numa emboscada paramilitar na zona fronteiriça durante a realização de uma operação anti-contrabando. Mais tarde, em 18 de setembro daquele ano, o jornal de economia e negócios Portafolio publicou uma reportagem especial assinada por Pedro Vargas Núñez intitulada: “Crise fronteiriça desacelera a economia de Cúcuta”. Nesta reportagem, o jornalista ecoa o ressentimento da cidade de Cúcuta pelo fechamento da fronteira pelo governo venezuelano e destaca que em apenas um mês já houve “…milhões de pesos em perdas, demissões de trabalhadores e “O custo de vida aumenta, devido à incerteza na área”. Entre os sectores mais afectados, o relatório aponta a indústria do carvão, agências de viagens, restaurantes, centros comerciais e transportes. Da mesma forma, a diretora executiva da Federação Nacional de Comerciantes (FENALCO) de Cúcuta, Gladys Navarro, afirmou que “…esta falta de liquidez vai piorar se a fronteira continuar fechada, porque embora os venezuelanos não tenham vindo comprar devido à situação económica de naquele país e o diferencial cambial (um bolívar equivale a 0,005 pesos), muitos cucuteños se beneficiaram dos negócios formais e informais típicos de uma linha de fronteira”. 5.- Fonte: El Sol de México. 15/08/2024. Disponível em: https://www.elsoldemexico.com.mx/mexico/amlo-no-cree-prudente-pedir-nuevas-elecciones-en-venezuela-como-sugirio-lula-12401981.html 6.- Cf. Chomsky, Noam. A nova ordem mundial (e a antiga). Editorial Crítica. Barcelona, ​​​​Espanha. 2010. Página 156 7.- Somente na América Latina valeria a pena lembrar os exemplos de Jacobo Árbenz da Guatemala em 1954; Juan Bosch da República Dominicana em 1963; João Goulart do Brasil em 1964; Salvador Allende do Chile em 1973; Jaime Roldós do Equador em 1981 e Omar Torrijos do Panamá em 1981. 8.- Cf. Chomsky, Noam. Quem governa o mundo? Edições B, SA Barcelona, ​​​​Espanha. 2016. Página 192 9.- Cf. Chomsky, Noam. Obra Essencial de Chomsky. Editorial Crítica. Barcelona, ​​​​Espanha. 2002. Página 85 10.- Arthur Schlesinger foi um historiador e crítico social americano que trabalhou como assistente especial e historiador do presidente dos Estados Unidos John Kennedy. Nos seus estudos históricos, Schlesinger dedicou-se essencialmente a explorar o liberalismo de líderes políticos americanos como Franklin D. Roosevelt, John F. Kennedy e Robert F. Kennedy. 11.- Cf. Chomsky, Noam. Terror como política externa dos Estados Unidos. Edições Alfadil. Caracas. 2003. Página 49 12.- “Os gangsters económicos (Economic Hit Men ou EHM) são profissionais generosamente pagos que roubam milhares de milhões de dólares de países de todo o mundo. Canalizam dinheiro do Banco Mundial, da Agência Internacional para o Desenvolvimento (USAID) e de outras organizações internacionais de “ajuda” para os cofres das grandes corporações e para os bolsos de um punhado de famílias ricas que controlam os recursos naturais do planeta. Perkins, John. Confissões de um gangster econômico. A face oculta do imperialismo americano. Edições Urano. Barcelona, ​​​​Espanha. 2005. Página 13 13.- Perkins, John. Ob. Cit. Página 355