O Pix nosso de cada dia foi politizado e o governo Lula toma uma surra nas ruas e nas redes

Por Milton Alves* ----------- É verdade que o país passa por uma intensa polarização política e ideológica, um fenômeno social objetivo, que atravessa o conjunto da sociedade brasileira. É verdade que o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) são as expressões e personagens políticas e sociais maiores da polarização em curso. É verdade que, apesar da relativa melhora nos indicadores econômicos, a vida do povo trabalhador e pobre continua muita dura, cheia de incertezas e de inúmeras dificuldades para elevar o padrão de existência pessoal e familiar. Ou seja, para conquistar um patamar mínimo e continuado de bem-estar. Um exemplo disso é a falta de iniciativa do governo federal em conter a alta dos produtos da cesta básica popular, que disparou nos últimos meses. E é verdade também que o governo Lula III se comunica mal, e no senso comum da percepção popular não tem atuado com eficácia na direção de proteger e de favorecer os mais pobres — uma marca dos governos anteriores de Lula na memória popular. Além disso, o arcabouço fiscal vigente reforça tal percepção, na medida em que o alvo dos últimos ajustes e cortes foi somente o “andar de baixo”: mudanças restritivas para a concessão do benefício BPC-LOAS (que foram atenuadas por iniciativa do parlamento), redução do alcance do abono salarial, e nos parâmetros do reajuste anual do salário mínimo. Mudanças com um sentido regressivo — não de avanço, mas de contenção. Aliás, a área econômica do governo adota, prioritariamente, um discurso de austeridade fiscal, de cortes de gastos, de contingenciamento orçamentário, entre outras abordagens típicas dos neoliberais e fiscalistas de plantão no governo Lula III. É gritante a ausência de uma pegada desenvolvimentista nas falas das autoridades do Ministério da Fazenda, do Ministério do Planejamento e dos bancos estatais. -------------- Mudança no Pix e os impactos políticos -------- Nesse contexto, as novas regras para o Pix anunciadas pela Receita Federal entornaram o caldo das preocupações populares e abriram um amplo espaço para a pregação demagógica da extrema direita, que deita e rola na desinformação e no medo do trabalhador precarizado, informal e autônomo do rugido e das mordidas do leão no seu bolso e suados rendimentos. Vale lembrar o caso da tributação das compras de produtos por meio do e-commerce, a “taxa das blusinhas” da Shein, como ficou conhecida no meio do povão. E o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, novamente, é o personagem central da ira e da ironia popular, com ou sem razão, nas ruas, feiras, botecos e de zilhões de memes nas redes sociais. A celeuma em torno do Pix é um golpe duro na imagem do governo federal, impacta diretamente na própria base de sustentação e apoio do presidente Lula, abala seriamente uma futura pretensão política de Fernando Haddad — a imagem do ministro da Fazenda ficou extremamente negativada, e seu desgaste político no momento é profundo e generalizado. ---------------- O Pix é pop ---------- O Pix como meio de pagamento fez uma revolução no sistema bancário e financeiro do Brasil: é gratuito, prático, seguro, rápido e eficiente, garantiu a inclusão bancária de milhões de brasileiros e movimenta R$ 3 trilhões ao mês. Ocorreu uma bancarização do sistema financeiro nacional sem precedentes: milhões de pessoas e empresas de todos os portes operam os mais variados serviços diariamente através da transmissão de dados nas redes de informática ou com um simples aparelho de telefone celular. Portanto, antes de qualquer anúncio formal e burocrático, a mudança no Pix recomendava o tratamento político da questão, a avaliação do impacto e do alcance da medida. Agora, resta ao governo correr atrás do prejuízo e mudar algumas regras, como por exemplo, ampliar os valores dos limites diários para as pequenas e médias empresas, MEIs, e tranquilizar o comércio, principalmente varejista, e os profissionais do setor de serviços para continuar o usando o Pix. -------------- O Pix será taxado? ------- Não, caro leitor. A Instrução Normativa n° 2.219/24 da Receita Federal, vigente desde 1° de janeiro, trata do monitoramento de transações financeiras realizadas por meio do Pix e determina que as movimentações superiores a R$ 5 mil – pessoas físicas, CPF – e movimentações superiores a R$ 15 mil – empresas, CNPJ – serão reportadas à Receita Federal. O presidente Lula e a direção da Receita Federal asseguram que não haverá qualquer taxação extra para o uso do Pix. Segundo o secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, em entrevista concedida ao portal G1, nesta segunda-feira (13), “a Receita Federal não tem nenhum interesse em saber o detalhamento, quantos Pix você recebeu e quem passou para você, onde você gastou o seu dinheiro. Nada disso é informado”. O secretário da Receita disse ainda “que a coleta de informações é direcionada ao combate de operações suspeitas, não ao monitoramento de trabalhadores informais ou pequenos empreendedores”. De toda forma, o estrago político que atingiu o governo é imenso, potente, revelador da falta de uma coordenação política diligente e mais centralizada e demanda mudanças nas formas de comunicação do governo, uma tarefa talhada para o novo ministro da Secom, Sidônio Palmeira, que toma posse nesta terça-feira. Enquanto isso, o Pix, agora politizado, é mais um tema na roda viva da arena política e do futuro do confronto eleitoral entre o governo de Lula III e a extrema direita. 2026, já começou… ---------------
*Exerce a profissão de jornalista. Autor dos livros ‘Brasil Sem Máscara – O governo Bolsonaro e a destruição do país [Kotter, 2022] e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ [Kotter, 2021], entre outras obras. Graduado em Gestão Pública [UFPR] e Pós-graduação em Ciência Política. Escreve em diversos portais e sites da imprensa progressista e de esquerda, atua também na imprensa sindical. É militante do PT em Curitiba.