Depois da decisão de Toffoli sobre Youssef, chegou a hora de punir Moro e os demais da Máfia de Curitiba
por Joaquim de Carvalho * -------------
Violaram o devido processo legal, com parcialidade e truculência institucional. Resta saber: agiram assim por interesse próprio ou geopolítico?
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A decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou todos os atos do então juiz Sérgio Moro contra o doleiro Alberto Youssef, representa não apenas um ponto de inflexão no desmonte jurídico da Lava Jato. Ela reacende um debate urgente e incômodo: quem deve ser responsabilizado pelo colapso do devido processo legal promovido pela força-tarefa de Curitiba?
Mais do que reconhecer abusos, Toffoli revela uma engrenagem institucional movida por motivações políticas, estruturada para perseguir adversários específicos — sobretudo lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT) — e consolidar projetos pessoais e ideológicos de poder.
Toffoli foi categórico: “Sem Alberto Youssef não há operação Lava Jato”, disse o ministro, ao apontá-lo como peça central de um projeto que usou delações premiadas para construir uma narrativa de corrupção com alvos previamente escolhidos.
No despacho, Toffoli escreveu: “Desde a prisão de Alberto Youssef [...] até seus depoimentos prestados enquanto colaborador, permitiram erigir o alicerce e os primeiros degraus desse sórdido projeto de poder [...] para atingir o Partido dos Trabalhadores e o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva”.
Em 2014, a Lava Jato teve início justamente com a prisão de Youssef, que já era velho conhecido de Moro. Em 2003, no Caso Banestado, Youssef havia firmado acordo de colaboração com o Ministério Público Federal — homologado por Moro, que, em 2010, se declarou suspeito para julgá-lo.
A reentrada do doleiro na jurisdição do magistrado, uma década depois, continua mal explicada. Se Moro se considerava suspeito para julgar ações de Youssef em 2010, por que deixou de sê-lo em 2014?
Toffoli considera que Moro agiu fora dos parâmetros legais. “Após quatro anos do colacionado despacho, em flagrante violação ao devido processo legal, na data de 24/02/2014, o ex-Juiz Sergio Moro despachou perante os autos do Pedido de Busca e Apreensão Criminal n.º 5001446-62.2014.404.7000, determinando várias medidas, dentre elas, buscas, sequestros e prisões, inclusive a prisão preventiva de Alberto Youssef, marcando assim o início da Operação Lava Jato”.
Conluio, escuta ilegal e pressão psicológica
A decisão reconhece que Youssef foi submetido a uma escuta clandestina em sua cela na PF em Curitiba. A escuta, instalada por um agente federal, foi ocultada da defesa, com anuência de Moro e do Ministério Público. Para Toffoli, houve conluio deliberado entre juiz, MPF e Polícia Federal, que comprometeu todo o sistema acusatório.
Além disso, a defesa foi coagida a desistir de um habeas corpus no STJ, sob pena de inviabilizar o acordo de colaboração premiada. Toffoli considerou a exigência como uma inversão do Estado de Direito. “Exigir de um acusado psicologicamente fragilizado que desista do remédio constitucional [...] constitui singular inversão de valores constitucionais", salientou.
A essa altura, não basta mais apenas anular provas e decisões. É hora de fazer a pergunta que alguns evitam: Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato agiram em nome de que interesse? Do Brasil? Do próprio projeto de poder? Ou de interesses estrangeiros?
É fato que Moro manteve relações estreitas com os Estados Unidos. Ele participou de cursos e seminários naquele país, antes e depois da Lava Jato. Também esteve presente em eventos no Brasil organizados sob a chancela da Embaixada dos EUA, como o Congresso da Associação dos Delegados da Polícia Federal, em 2009, em Fortaleza.
Nesse evento, a procuradora americana Karine Moreno-Taxman, ligada ao Departamento de Justiça dos EUA, teria dito que era preciso “derrubar o rei” — frase interpretada por muitos como uma referência ao então presidente Lula, que à época nem sequer era investigado no caso do mensalão.
Essa articulação internacional, somada à colaboração direta com o Departamento de Justiça dos EUA para repatriar recursos da Petrobras, levanta questões sérias sobre a soberania e a parcialidade com que se conduziu a operação, apresentada na mídia hegemônica como se fosse a maior investigação anticorrupção da história do Brasil.
O STF já reconheceu que a Lava Jato foi, em muitos aspectos, uma distorção autoritária do sistema penal. Agora, cabe ir além: é necessário que os protagonistas dessa distorção respondam por suas ações. A Justiça não pode se encerrar apenas em reverter condenações — é preciso cobrar responsabilidade de quem violou as leis em nome de suposta moralidade.
Moro deixou a toga para se tornar ministro de Jair Bolsonaro e, depois, senador. P rocuradores buscaram fama, prestígio, poder político e dinheiro, cruzando a porta giratória e se tornando advogados. Se havia alguma dúvida sobre a natureza política da Lava Jato, o tempo — e decisões como a de Toffoli — têm dissipado essa névoa.
O que resta saber é: haverá coragem institucional para punir quem, mesmo no Judiciário, agiu como se estivesse acima da Constituição?
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*Joaquim de Carvalho, o autor, é colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa).