“israel” nuclearizado, a África do Sul do Apartheid e o “acordo com o diabo”

"israel" espalhou sua tecnologia nuclear de forma ilícita, firmando um acordo secreto com a África do Sul do Apartheid. Se isso já não fosse vergonhoso o suficiente, ao fazê-lo, abraçou um regime liderado por homens que haviam apoiado abertamente a Alemanha nazista e governavam seu país com base em leis que institucionalizavam o racismo. ------------------ Foto acima: O primeiro-ministro da África do Sul, John Vorster (o segundo da direita), é recebido pelo primeiro-ministro de "israel", Yitzhak Rabin (à direita) e Menachem Begin (à esquerda) e Moshe Dayan durante sua visita de 1976 a Jerusalém. (Foto: Sa'ar Ya'acov) -------------------- Por Alex de Waal* Israel obteve armas nucleares de forma ilícita, inclusive espionando seus supostos aliados, mas com o consentimento de governos ocidentais chave. Seu programa nuclear permanece secreto e não monitorado. Trata-se de um escândalo latente que, entre outras consequências, aprofundou a desconfiança de iranianos e árabes. Israel espalhou sua tecnologia nuclear de forma ilícita, firmando um acordo secreto com a África do Sul do Apartheid. Se isso já não fosse vergonhoso o suficiente, ao fazê-lo, abraçou um regime liderado por homens que haviam apoiado abertamente a Alemanha nazista e governavam seu país com base em leis que institucionalizavam o racismo. Até hoje, sabe-se muito pouco sobre o acordo de armas entre Israel e a África do Sul. O livro de Sasha Polakow-Suransky, A Aliança Não Dita: A Relação Secreta de Israel com a África do Sul do Apartheid, começa com uma cena de 9 de abril de 1976. Johannes Vorster, primeiro-ministro da África do Sul na era do Apartheid, fez uma visita solene ao Yad Vashem, o Memorial do Holocausto em Jerusalém, e depositou uma coroa de flores nas cores da bandeira sul-africana — como era na época — em memória das vítimas da Shoá. Algumas décadas antes, quando os nazistas implementavam a Solução Final, Vorster estava claramente do outro lado. Ele era membro convicto do Ossewa Brandwag, uma organização afrikaner racista e militante. O grupo defendia a ideologia nazista, injetando antissemitismo em uma cultura política afrikaner que, até então, não se destacava por sua hostilidade aos judeus. Polakow-Suransky escreve: O líder do grupo, Hans van Rensburg, era um admirador entusiástico de Adolf Hitler. Em conversas com líderes nazistas em 1940, van Rensburg ofereceu formalmente ao Terceiro Reich centenas de milhares de homens para realizar um golpe e instalar um governo pró-Eixo no ponto estratégico do sul da África. Por falta de suprimentos adequados de armas, os homens de van Rensburg acabaram abandonando seus planos de mudança de regime e se contentaram com sabotagem industrial, atentados a bomba e assaltos a bancos. O governo sul-africano, alinhado ao Reino Unido, considerava a organização tão perigosa que prendeu muitos de seus membros. Mas Vorster não demonstrava arrependimento e comparava com orgulho sua nação à Alemanha nazista: “Defendemos o Nacionalismo Cristão, que é um aliado do Nacional-Socialismo… você pode chamar esse sistema antidemocrático de ditadura, se quiser,” declarou em 1943. “Na Itália isso se chama Fascismo, na Alemanha Nacional-Socialismo, e na África do Sul Nacionalismo Cristão.” Arthur Goldreich foi um israelense que ficou horrorizado com a visita de Vorster. Ele cresceu na África do Sul. Quando estudante do ensino médio, recusou-se a aprender alemão com um livro didático exigido por seu professor afrikaner, que incluía material da revista da Juventude Hitlerista. Goldreich lutou pela independência de Israel em 1948 como membro da Palmach, o braço militar do Movimento Nacional Judaico na Palestina. Mais tarde, voltou à África do Sul, onde se tornou membro do Umkhonto we Sizwe (MK), o braço armado do Conselho Nacional Africano (CNA). A fazenda de Goldreich em Rivonia era o local onde os líderes do MK realizavam reuniões secretas. Ele foi preso junto com Nelson Mandela, encarcerado e levado a julgamento. Como prisioneiro branco, foi mantido separado, conseguiu subornar um guarda e fugiu, indo para Israel. Quando Vorster visitou Jerusalém, Goldreich organizou um protesto. Colou cartazes com o nome de Vorster ao lado de uma suástica. Um outro israelense — sobrevivente do Holocausto — aproximou-se de Goldreich, cuspiu em um dos cartazes e disse: “Faremos acordos com o diabo para salvar judeus da perseguição e garantir o futuro deste Estado.” O pacto satânico do governo israelense incluiu um acordo de armas nucleares e o fornecimento de outras tecnologias letais. Vorster queria adquirir armamentos de alta tecnologia, incluindo bombas nucleares e caças, que não podia comprar por causa das sanções internacionais. Israel queria dinheiro. As compras da África do Sul forneciam uma fonte vital de receita para Israel, que se tornou um dos principais violadores das sanções. Os armamentos enviados ilegalmente foram usados pelo regime do Apartheid não apenas para repressão interna, mas também para desestabilizar meia dúzia de países africanos, onde executava assassinatos seletivos contra líderes de movimentos de libertação africanos que chamava de “terroristas”, além de manter sua ocupação ilegal da Namíbia. O livro de Polakow-Suransky baseou-se em arquivos sul-africanos recém-abertos pelo governo do CNA nos anos 1990, mas Israel ficou incomodado com essa história secreta vindo à tona. Hennie van Vuuren, autor de Apartheid, Armas e Dinheiro, investigou com afinco todas as possíveis conexões sobre como o regime do Apartheid obteve armas ao redor do mundo. Essa investigação exigiu diligência excepcional e habilidades de pesquisa, mas mesmo nesse mundo sombrio, Israel ocupava um vazio especial. Van Vuuren descobriu que a maioria de seus pedidos de acesso a informações sobre os negócios de Israel foi negada. Um funcionário do arquivo do ministério das Relações Exteriores disse a ele que isso era consequência das revelações de Polakow-Suransky: “houve um inferno a pagar por aquilo.” Grande parte dessa história do “acordo com o diabo” de Israel ainda permanece em segredo. Agora seria um bom momento para que a luz do sol — o melhor desinfetante — iluminasse esse canto obscuro. -------------- * Professor pesquisador na Fletcher School, na Tufts University, e lidera os programas de pesquisa da Fundação Mundial pela Paz sobre pacificação na África e fome em massa. Artigo publicado no site da fundação em 14/08/2024