O governo dos EUA por trás da política suicida da Ucrânia

Pensar a Historia - Joe Biden, então vice-presidente dos Estados Unidos, cumprimenta Petro Poroshenko, empresário bilionário que assumiu a presidência da Ucrânia após o golpe de Estado de 2014, que derrubou o governo pró-Rússia de Viktor Yanukovich. ----- A participação dos Estados Unidos na revolução colorida do Euromaidan é bem documentada. Burocratas da gestão Barack Obama se reuniram com lideranças da oposição ucraniana antes do golpe de 2014, incluindo Joe Biden e o diretor da CIA, John Brennan. Victoria Nuland, subsecretária do Departamento de Estado, assegurou que o governo estadunidense gastou 5 bilhões de dólares para financiar a rebelião que derrubou Yanukovich. Há fartos registros documentais de que a CIA financiou, treinou e armou as organizações paramilitares neonazistas incorporadas à Guarda Nacional ucraniana — incluindo o Batalhão de Azov. E até mesmo o senador republicano John McCain ganhou um cargo como conselheiro no gabinete de Poroshenko. O investimento maciço da Casa Branca visava assegurar a manutenção da nova ordem política na Ucrânia, removida da esfera de influência de Moscou e convertida em um Estado-vassalo de Washington. O novo regime ucraniano não apenas servia de esteio aos interesses geopolíticos e militares dos Estados Unidos, mas ajudava a consolidar um ambiente mais favorável à exploração das corporações ocidentais. Entre os empresários estrangeiros que mais se beneficiaram da nova conjuntura política da Ucrânia — e que fizeram muito dinheiro enquanto os conflitos instigados pelo golpe de 2014 deixavam 14 mil mortos no leste do país — está Hunter Biden, filho do atual presidente dos Estados Unidos. Hunter Biden atua há mais mais de duas décadas como lobista. Os contatos do pai o ajudaram a obter inúmeras vantagens e acordos lucrativos firmados tanto em gestões de Democratas como de Republicanos. A ascensão de Joe Biden ao cargo de vice-presidente, entretanto, foi extremamente proveitosa para os negócios internacionais de Hunter, sobretudo após a queda de Yanukovich na Ucrânia. Irrestritamente submisso aos interesses de Washington, Poroshenko colaborou passivamente com a operação de destruição da capacidade produtiva nacional tocada pelo judiciário ucraniano, ajudando a liquidar empresas nacionais ou a entregar setores da economia ucraniana ao controle de estrangeiros. O modus operandi guarda semelhanças com a devastação entreguista do setor produtivo brasileiro causado pela Operação Lava Jato. Na Ucrânia, a operação foi viabilizada por uma parceria "anticorrupção" firmada entre o judiciário ucraniano e o governo estadunidense. O acordo dava ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos o direito de indicar conselheiros de justiça, promotores e juízes para atuar diretamente no judiciário da Ucrânia, além de financiar a formação de advogados e quadros do judiciário ucraniano em Washington. Na prática, o acordo removeu a autonomia da justiça ucraniana e a transformou em um órgão subordinado ao governo dos Estados Unidos. No Brasil, esse sistema recebeu elogios efusivos do ex-juiz Sergio Moro, que defendeu a adoção de mecanismo congênere de intervenção externa no judiciário nacional. Entre as empresas ucranianas que foram submetidas à intervenção "anticorrupção" do judiciário está a Burisma — uma das maiores produtoras de petróleo e gás natural da Ucrânia, pertencente a Mykola Zlochevsk. O empresário passou a sofrer perseguição de promotores ucranianos, assessorados por órgãos de justiça dos Estados Unidos e do Reino Unido. Hunter Biden foi imposto como um dos conselheiros da empresa. Após a chegada de Poroshenko à presidência e o congelamento dos bens de Zlochevsk, Hunter Biden obteve o controle pleno da companhia. Ingressaram posteriormente no conselho administrativo da Burisma Joseph Cofer Black, ex-diretor de operações da CIA, e Devon Archer, ex-assessor sênior da campanha presidencial de John Kerry. Após a intervenção, a Burisma prosseguiu operando de forma obscura, sem divulgar seus resultados financeiros. Entre 2014 e 2016, a empresa expandiu suas operações no Leste Europeu e firmou acordo de cooperação com a KazMunayGas, empresa estatal de petróleo e gás do Cazaquistão. Não obstante, a empresa tornou-se alvo do procurador-geral da Ucrânia, Viktor Shokin. Embora inicialmente alinhado à política entreguista de Poroshenko, Shokin passou a buscar a projeção de seu nome, visando consolidar um projeto político próprio calcado na retórica moralista e no discurso anticorrupção. O procurador acusou a Burisma de praticar lavagem de dinheiro e fraudes contábeis e chegou a abrir 15 investigações para apurar irregularidades na empresa.
Joe Biden passou então a pressionar Poroshenko para abafar as investigações sobre as atividades criminosas conduzidas por seu filho na Ucrânia. Poroshenko receava que a demissão do procurador-geral, cuja imagem já era vinculada à retórica anticorrupção, pudesse ter impacto negativo em sua imagem. Para convencer o presidente ucraniano a encobrir os negócios de seu filho, Joe Biden chantageou Poroshenko com uma oferta de um bilhão de dólares. O montante era proveniente do Fundo Monetário Internacional (FMI), que negociava um acordo com o governo ucraniano. Joe Biden assegurou que daria aval para a concessão do empréstimo, contanto que o procurador-geral fosse substituído por um nome subserviente. As conversas telefônicas entre Poroshenko e Joe Biden acerca da substituição do promotor-geral em troca do empréstimo foram gravadas. Em maio de 2020, os áudios foram publicados pelo deputado ucraniano Andriy Derkach. No diálogo capturado em 18 de fevereiro de 2016, Poroshenko assegura a Biden que está "cumprindo suas promessas", o tranquiliza quanto ao filho, afirmando que Hunter não é alvo de nenhuma investigação, e informa que solicitou a renúncia do procurador-geral: "Pedi que ele renunciasse à sua posição de funcionário do Estado. (...) E há uma hora atrás, ele me trouxe sua carta de renúncia." Biden registra sua satisfação com a notícia: "Ótimo". Na gravação de um outro telefonema em 22 de março de 2016, Biden vincula explicitamente a concessão do empréstimo à nomeação de um procurador-geral cooptado. "Conte-me sobre seu novo procurador-geral. Eu preparei a assinatura pública de um compromisso de 1 bilhão de dólares." A chantagem de Biden funcionou. A Ucrânia encontrava-se mergulhada em uma crise fiscal e não tinha recursos para manter seus compromissos. Enfrentava igualmente uma série de processos movidos pela Rússia, motivados pela rescisão em massa de contratos com empresas daquele país depois do golpe de 2014. Após a demissão Shokin, Poroshenko nomeou Yuri Lutsenko como procurador-geral. Lutsenko não tinha qualquer histórico de experiência jurídica. Ele havia sido preso por corrupção e abuso de poder em 2010, mas foi beneficiado por uma anistia concedida às lideranças políticas da extrema-direita que apoiaram o Euromaidan. Após assumir o cargo, Lutsenko arquivou as acusações contra a Burisma. Em 13 de maio de 2016, Biden ligou para parabenizar Poroshenko. "Você trabalhou muito bem. Te parabenizo pela sua escolha do novo procurador-geral. (...) Ele terá que trabalhar rapidamente para dirimir os danos causados por Shokin. E eu sou um homem de palavra. E agora que o novo procurador-geral está no cargo, estou pronto para movimentar a assinatura da cobertura nova de 1 bilhão de dólares de empréstimos como garantia." As gravações publicadas por Andriy Derkach não deixam dúvidas sobre o envolvimento de Poroshenko e Biden em atos de corrupção, tráfico de influência e suborno, entre outras práticas criminosas. Também evidenciam a falta de independência do FMI, instrumentalizado em prol de interesses particulares obscuros, e demonstram o grau extremo de submissão do governo ucraniano à Casa Branca. Apesar da gravidade das denúncias, a imprensa ocidental se apressou em abafar o caso, receosa de que sua divulgação prejudicasse a campanha presidencial de Joe Biden.