A morte de Elizabeth II e a sabujice da mídia com uma família disfuncional, rica e inútil

por Kiko Nogueira - DCM ------ A cobertura da imprensa brasileira da morte da rainha Elizabeth é um case de complexo de vira-latas. Capa de todos os sites, análises alucinadas (Míriam Leitão se debruçou sobre “Os muitos desafios do Rei Charles III, em meio à crise econômica”), e uma estranha adoração por uma senhora rica e que nunca trabalhou na vida, chefe de um bando de mimados cruéis e, eventualmente, pervertidos. Em 2011, o jornalista e escritor britânico Christopher Hitchens falou dessa gente esquisita: "Um monarca hereditário, observou Thomas Paine, é uma proposição tão absurda quanto um médico ou matemático hereditário. Mas tente apontar isso quando todos estão aparentemente molhados de entusiasmo com o bolo e os vestidos da futura mãe do absurdo constitucional. Você não parece estar expressando o bom senso. Você parece um velho ranheta. Suponho que essa deve ser a “mágica” monárquica de que tanto ouvimos: por alguma alquimia mística, os imperativos de criação de uma dinastia tornam-se material de romance, até mesmo de “conto de fadas”. (…) A monarquia britânica não depende inteiramente do glamour, como o longo e longo reinado da rainha Elizabeth II continua a demonstrar. Sua inabalável obediência e confiabilidade conferiram algo além de charme à instituição, associando-a ao estoicismo e a uma certa integridade. O republicanismo é infinitamente mais difundido do que quando ela foi coroada, mas é muito raro ouvir a própria Soberana sendo criticada. Não tenho certeza se ela merece essa imunidade. A rainha tomou duas decisões importantes bem cedo em seu reinado, nenhuma das quais foi imposta a ela. Ela se recusou a permitir que sua irmã mais nova, Margaret, se casasse com o homem que amava e escolhera, e deixou que seu marido autoritário se encarregasse da educação de seu filho mais velho. A primeira decisão foi tomada para apaziguar os líderes mais conservadores da Igreja da Inglaterra (uma igreja da qual ela é, absurdamente, a chefe), que não pôde aprovar o casamento de Margaret com um homem divorciado. O segundo foi tomado por razões menos claras.
O resultado foi igualmente desastroso em ambos os casos: a princesa Margaret mais tarde se casou e se divorciou de um homem que ela não amava e depois teve anos para desperdiçar como modelo de socialite ociosa, sempre com um cigarros e um drinque de gim, fofocas e puxa sacos, infeliz. (Ela também produziu algumas crianças reais extras, para as quais algo a fazer tinha que ser encontrado.) O príncipe Charles, submetido a um regime de violentos padres em internatos penitenciais, acabou sendo convencido a encarar um casamento calamitoso com alguém que não amava ou respeitava, e agora é o sujeito mal-humorado, careca e licencioso de hoje. Ele também aparentemente encontrou um contentamento tardio com a ex-esposa de um oficial. Juntos, Margaret e Charles deram o tom à enxurrada de descendentes com título de nobreza, desleixados, irresponsáveis, cujos nomes, e muito menos feitos, são quase impossíveis de acompanhar. Existem muitos deles! E as coisas sempre têm que ser encomendadas para eles fazerem. Para o príncipe William, pelo menos, foi decidido no dia de seu nascimento o que ele deveria fazer: encontrar uma esposa apresentável, ser pai de um herdeiro (de preferência um macho), e manter o show na estrada. Por mais um exercício dessa notória “mágica”, agora é duplamente importante que ele faça essa coisa simples, porque somente seu suposto carisma pode salvar o país do que os monarquistas temem: o rei Carlos III. (Monarquia, você vê, é uma doença hereditária que só pode ser curada por surtos recentes de si mesma.) (…) Envelhecer sem trabalho de verdade exceto esperar pela morte de mamãe não é vida. Alguns britânicos afirmam que “amam” a casa de Hanover. Esse amor assume a forma macabra de exigir um sacrifício humano regular, pelo qual pessoas não excepcionais são condenadas a levar existências totalmente artificiais e tensas, e então punidas ou humilhadas quando elas desmoronam. (…)"