Covid: meses de medo e solidão

por Edilson Pereira ---- MESES DE MEDO E SOLIDÃO – Eu tinha um amigo no Facebook que foi um grande escritor brasileiro. Principalmente contista, gênero ao qual ele se considerava mais filiado. Trata-se de Sérgio Sant'Anna. Morreu no dia 10 de maio de 2020. Nos últimos meses estava arrasado e revoltado. Na realidade, desesperado. Primeiro com os desmandos de Bolsonaro em todos os setores da vida nacional e depois com a indiferença do seu governo com a Covid. Sant'Anna tinha 79 anos. Morreu de Covid, como temia. Lembrei dele hoje de manhã. Curiosamente, ontem vi a foto de Aldir Blanc, que era médico, compositor e também cronista. Autor de mais de 600 letras de músicas, algumas geniais como “O bebado e o equilibrista”, “De frente pro crime”, “Mestre sala dos mares”, “Kid Cavaquinho” e “São dois pra lá e dois pra cá”, para ficar em cinco memoráveis exemplos. Estava com 73 anos quando também morreu de Covid em 4 de maio de 2020. A lista de artistas famosos que morreram de Covid ainda inclui entre outros Tarciso Meira, Paulo Gustavo, Agnaldo Timóteo, Nicette Bruno e Genival Lacerda. Alguns em idade avançada e outros como Paulo Gustavo com muita lenha para queimar. O Covid foi uma das experiências mais assustadoras pelas quais passei. A mãe de meus filhos pegou Covid no começo de janeiro de 2021 e não fosse atendimento de emergência num domingo por volta de dez horas teria morrido em sua casa antes do dia terminar. Ficou seis dias internada. E saiu assustada. No meu condomínio de oito apartamentos, dois vizinhos escaparam de morrer. Um ficou entubado vinte e cinco dias e quando saiu do hospital teve de reaprender coisas básicas como respirar, se alimentar e andar. O outro ficou internado vinte dias. Foram semanas e meses de medo e solidão. Hoje respiramos e andamos nas ruas como se aquele período não existiu. É comportamento compreensivo. Quem sobreviveu não quer viver de tristezas. Mas não podemos esquecer que 700 mil pessoas morreram, muitas por falta de combate adequado pelos encarregados pela Saúde Pública no governo anterior, que negavam dia após dia a gravidade do problema. No final de março de 2020, quando se consolidou a percepção de que não seriam algumas semanas ou poucos meses de pandemia, eu começava a entrar em depressão. Uma coisa era ficar no apartamento por dias sabendo que poderia sair lá fora. Outra era ficar preso sem poder sair lá fora e sem saber o que iria acontecer. Minha ex-mulher me chamou para ir para Guaratuba. A temporada acabara, a cidade tinha poucas pessoas e havia praias desertas para a gente caminhar. Foi o que me fez reviver. Foram quatro meses no litoral. Escrevi, li e descansei. Voltei para Curitiba com vinte e dois contos. Em setembro do ano passado, quando tive que vir para Maringá, me lembrei deles e preparei para publicar em livro. Acrescentei dois contos, histórias originalmente publicadas na minha coluna na Tribuna do Paraná. O livro será lançado no começo de março. Trata-se de “A Dama do Bar Stuart e outras histórias” (263 páginas, Editora Cartagena das Índias).