A MULHER ESQUECIDA

por Edilson Pereira – Hoje se comemora o Dia Internacional da Mulher. Há onze anos, nesta data, eu me lembro de Sylvia Seraphim Thibau, uma das maiores vítimas no século 20 do machismo, da hipocrisia das elites e esquecida pela história. Sylvia sofreu o maior ou um dos maiores linchamentos morais e midiáticos a uma mulher a que se tem notícia na história do país. E em parte seu caso foi esquecido porque quem cometeu este linchamento foi integrantes da família do dramaturgo Nelson Rodrigues, cujo pai tinha um jornal no Rio de Janeiro e sua influência pode ser dimensionada pelo filho Mário que é nome oficial do estádio do Maracanã. A história é a seguinte. Silvia era filha de Augusto Serafim, um auxiliar de Oswaldo Cruz e foi casada com o médico Ernesto Thibau. Era jornalista, escritora e simpatizante do socialismo e do movimento feminista. Tinha três filhos (Mauro, Claudio e Roni). Escrevia crônicas com pseudônimos como Cinderela, Mariposa Dourada entre outros. Sua atuação literária e ideias consideradas avançadas para a época, além de um desquite em 1929, a tornaram alvo dos conservadores do Rio de Janeiro e do jornal sensacionalista Crítica, de Mário Rodrigues, dirigido pelo filho Roberto, irmão de Nelson Rodrigues. O jornal apontou um suposto adultério (não comprovado) cometido por Sylvia com o médico e cientista Manuel Dias de Abreu (que mais tarde inventou a Abreugrafia), como o verdadeiro motivo do desquite dela com o marido. Na reportagem Sylvia é retratada pelo ilustrador Roberto Rodrigues, irmão de Nelson, como estivesse sendo acariciada pelo médico. No dia seguinte, ela foi até a Espingarda Mineira, uma loja de armas, comprou um revolver e foi para a redação da Crítica. Ela queria matar o dono do jornal, Mário Rodrigues. Como não o encontrou, matou Roberto, o filho dele. Nelson Rodrigues estava na redação. Tinha dezessete anos. O crime marcou a sua vida. “O meu teatro não seria como é, nem eu seria como sou, se eu não tivesse sofrido na carne e na alma, se não tivesse chorado até a última lágrima de paixão o assassinato de Roberto”, disse ele mais tarde. O processo contra Sylvia foi um dos que mais mexeu como a opinião pública da então capital do Brasil. Os dois lados tinham argumentos, mas o jornal usou toda a munição de baixo nível que pode. A Crítica moveu uma campanha feroz. Chamava Sylvia de “literata do Mangue (a zona do meretrício carioca”, cadela das pernas felpudas” além de expressões como cadela, cachorra, meretriz, marafona, prostituta, porca, sifilítica, paneleira, pataqueira, pederasta entre outros adjetivos pejorativos. Para se ter ideia do impacto do julgamento na sociedade da época, ele foi o primeiro transmitido ao vivo pelo rádio e virou uma disputa político e ideológica entre conservadores e reacionários e progressistas e as primeiras feministas. No final do julgamento, Sylvia foi absolvida. Algum tempo depois se envolveu com um tenente-aviador com quem teve um filho e por quem foi abandonada. Desesperada, suicidou-se em 1936. Tinha trinta e três anos. Ao seu lado havia um livro de Balzac: A Mulher de Trinta Anos. Pela sua quase ausência deste episódio na história do século 20, o caso de Sylvia ainda permanece emblemático. Era uma feminista? Uma assassina? Uma mulher ultrajada? Hoje é um bom dia para pensar no assunto. Em 2012, eu publiquei na Tribuna do Paraná uma série de cinco capítulos sobre a vida de Sylvia Seraphim, que foi reproduzida depois como parte de meu livro "Ninguém mata por amor", de 2013. No livro, a história trágica tem o título de "Malditos todos os que me possuíram".