Núcleo Teologia da Libertação denuncia nova perseguição a Renato Freitas

O deputado estadual Renato Freitas. Créditos: Eduardo Matysiak ---- Revista Forum --- por Lucas Vasques ---- O secretário de Segurança do PR, coronel Hudson Teixeira, protocolou junto à Alep pedido de cassação do deputado petista; entidade lança abaixo-assinado ---- O Núcleo Nacional Política e Religião Teologia da Libertação divulgou um manifesto e um abaixo-assinado para denunciar mais uma tentativa de cassação do mandato do deputado estadual do Paraná, Renato Freitas (PT). Assine aqui. Freitas, continua sendo alvo de perseguição política. Militante de esquerda, negro e periférico, o petista foi surpreendido, no dia 9 de março, por um pedido de cassação de seu mandato protocolado junto à Assembleia Estadual do Paraná (Alep) pelo secretário de Segurança Pública do estado, coronel Hudson Teixeira. O deputado é acusado de "infringir o regimento interno" da Casa legislativa por supostas “ilações infundadas, descabidas e distorcidas da realidade proferidas a militares estaduais e à Polícia Militar do Paraná”. Na representação, o secretário se refere a um discurso feito recentemente por Renato Freitas na Alep, em que comenta dados divulgados pelo Ministério Público do Paraná dando conta de que o estado registrou 17,3% mais mortes em confrontos com policiais no ano passado do que em 2021. No ano de 2022, Freitas foi cassado em duas ocasiões pela Câmara dos Vereadores de Curitiba, em um processo marcado por arbitrariedades e racismo, mas conseguiu retomar seu mandato após entrar com recursos na Justiça e obter decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). ----------------- Leia a íntegra do manifesto do Núcleo Nacional Política e Religião Teologia da Libertação: As eleições de 2022 no estado do Paraná tiveram um resultado que marcará a história desse estado e, quiçá, de nosso país. Oriundos do mesmo lugar, coexistiram alguns personagens diametralmente opostos. De um lado, todo o esgoto resultante da “Farça-Tarefa” dos procuradores da Lava Jato e do lixo produzido pela 13ª Vara Federal de Curitiba. Do outro, surgia quase que, ao mesmo tempo, um jovem advogado, negro, periférico, cabelo black power, ora com suas tranças africanas, advindo das cinzas originadas da dor e das alegrias desta mesma terra, chamado Renato Freitas. De língua afiada e pensamento rápido, ele é sobrevivente das tragédias que formam uma montanha de cadáveres sepultados todos os dias nas periferias das grandes cidades brasileiras, que não gritam, não reclamam, não pestanejam, apenas deixam um rastro de histórias não contadas e de sofrimento dos que depositam, nas contas de Deus, a pouca sorte que tiveram em não sobreviver neste mundo cão. Surge, então, um indignado! Um jovem rebelde com uma capacidade que lembra o jeito de falar de Martin Luther King, só que esse é filho dos trópicos sul-americanos. Não acredita na paz dos cemitérios e diz não aceitar o destino que querem lhe impor. O destino dos familiares e dos irmãos e irmãs de infortúnio. Contrariando as estatísticas, fala verdades profundamente inconvenientes, as quais os mentirosos insistem em negar a realidade, as quais lhes são esfregadas “na cara”, de forma clara e incontestável. Resta a eles a retórica da guerra e das ameaças de cassação do mandato de quem se incomoda com a força coerente das palavras. Renato Freitas não se adequa ao que é confortável, não aceita os padrões dos patrões, não negocia a dignidade de seus representados. É um insubmisso, cuja característica que mais incomoda é desnudar a hipocrisia da elite pálida de raiva por ver um negro ocupar um lugar que não lhe foi reservado, num ambiente em que gente como ele só deveria entrar para limpar, concertar e arrumar. Renato incomoda, pois o ambiente legislativo não foi pensado nem planejado para quem, como ele, com suas arrojadas e corajosas posições, pudesse acessar. O parlamento é um espaço pensado para a burguesia. A primeira Assembleia Constituinte “soberana” brasileira foi instalada em 1823 e ficou conhecida como o que seria a “Constituição da Mandioca”, pois, segundo ela, só poderiam ser eleitores ou candidatar-se aqueles que tivessem certa renda equivalente a 150 alqueires de farinha de mandioca. Essa Assembleia Constituinte foi dissolvida por Dom Pedro I, sendo, posteriormente, outorgada a Constituição de 1824. Essa foi a forma que a elite brasileira pensou o Poder Legislativo. Foi e permanece sendo pensado para defender os interesses da elite agrária e o trabalho escravo. Atualmente, essas continuam sendo a prioridade, o detalhe é que agora, também defendem os direitos das grandes corporações, retirando direitos da classe operária. Essa Constituição de 1824, inclusive, inovou, levando a responsabilidade sobre esta “mão de obra” escravista para o Estado. Segundo o livro “1822”, do jornalista e pesquisador Laurentino Gomes, naquele ano, o Brasil tinha cerca de 4,5 milhões de habitantes, sendo: 1 milhão de brancos, 1,2 milhão de africanos escravizados e seus descendentes, 800 mil indígenas, e 1,5 milhão de grupos menores decorrentes da miscigenação entre os grupos anteriores. Ou seja, quase 80% da população brasileira de então era de não brancos. A elite, composta por pessoas importantes e poderosas, para as quais o Parlamento foi pensado, eram conhecidas como “homens bons”. A atribuição dos parlamentares do Brasil Império era semelhante às do Brasil de hoje. Tratavam, assim, de questões como do abastecimento, dos salários e dos impostos. Também tomavam decisões sobre guerra ou paz com os indígenas. Então, a regra era clara. Bem clara! Para ser candidatos do império deveriam apresentar uma renda de quatrocentos mil réis anuais. Em 1846, a exigência subiu para oitocentos mil reis anuais, depois, em 1881, voltou aos quatrocentos mil reis. E o que isso significa? Nada… a única diferença é que, nos dias de hoje, não há a exigência de que o candidato apresente comprovante de renda com valor mínimo. Duzentos anos se passaram - e vejam se é ou não uma afronta para este Estado elitista - ter um parlamentar negro, pobre, originário da periferia, vindo das senzalas modernas, também conhecidas como favelas, e ter a coragem e ousadia de dizer que a polícia mata e maltrata os negros e jovens pobres dessas mesmas periferias. Este é o Estado que o desaforado e alforriado Renato Freitas está questionando. Duzentos anos depois, como pode um negro, em Curitiba, ter a audácia de ser advogado? E não adianta. A polícia simplesmente não aceita isso como possível e joga Renato, o preto desaforado, no lugar que lhe foi reservado por eles: o camburão da viatura policial. Depois, com raiva, se veem obrigados a enxergar que sim. É advogado, e que suas prerrogativas lhes serão garantidas, por mais incômodo que isso seja aos operadores do direito da elite curitibana. Desestabiliza os policiais, que agem como cães que aprenderam a farejar negros e, na melhor das hipóteses, jogá-los na parte traseira de uma viatura policial. Se não houver testemunhas, a pena de morte é o veredito de um julgamento que não precisa existir. É preconcebido! Como aceitar que este mesmo negro tenha a ousadia de questionar o sistema de dentro de uma Câmara de Vereadores de uma capital de um estado deste país, que tem, como maioria de seus habitantes, a população negra e, como minoria, a população branca, que mesmo assim domina seu lugar de elite na política, economia, mídia, religião, polícia e academias. Óbvio. Não pode ter um mandato quem questiona a morte de negros e pobres das periferias curitibanas. Cassado, Renato se rebela, sua voz ressoa e a Câmara Municipal já não lhe cabe mais. Se agiganta e deixa os minúsculos moralistas, os covardes legisladores, os apequenados políticos curitibanos e alcança outro patamar. Renato Freitas é um homem desarmado, mas não desalmado. Seu ânimo faz tremer todas as esferas de poder. Assim, foi eleito novamente. Agora, como deputado estadual do estado do Paraná. E, em seus primeiros discursos, não aguentaram e já apresentam um pedido de cassação deste que é um dos mais icônicos mandatos parlamentares em atividade no Brasil, neste tempo. Sua capacidade de falar coisas complexas, de forma simples, faz a elite odiá-lo ainda mais e, mais que rápido, tramam novamente contra o mais legítimo, íntegro, incômodo, insubmisso e necessário mandato parlamentar do estado do Paraná. E isso não significa que não haja outros mandatos íntegros e necessários, mas nenhum é tão incômodo e insubmisso como é o mandato de Renato Freitas nos dias de hoje. Há cinco anos, houve, no Rio de Janeiro, outro mandato assim. O nome dela é Marielle Franco, atualmente, mártir da causa dos negros e negras brasileiros. A burguesia não se incomoda com gente íntegra. Eles tentam corromper os íntegros e, quando não conseguem, apenas os isolam. Também não se incomodam com os que são necessários. Até a elite concorda com a necessidade de que haja aqueles e aquelas que lhes lembrem que precisam ter dignidade, embora ser digno não lhes dê dinheiro. Mas, se tem uma coisa que a elite branca, os “homens bons”, representados por todos os setores exploradores da sociedade, de ontem e de hoje, não tolera, são mandatos que incomodam por sua insubmissão. É isso que a elite não aceita! Renato precisa de proteção e o mandato parlamentar lhe confere uma condição melhor para que esta proteção aconteça. Mas, nossa frágil democracia precisa ainda mais da permanência de Renato na política. Afinal, são as vozes destoantes do status quo que fazem nossa democracia se fortalecer. Querem tirar o mandato de Renato, pois sem mandato, fica mais fácil calá-lo definitivamente. FASCISTAS NÃO PASSARÃO! Brasil, março de 2023. Núcleo Nacional Política e Religião Teologia da Libertação.