ZAGALO NUNCA FOI SANTO

Do Jacques Gruman: "Não costumo dividir meus comentários em capítulos, mas vou abrir uma exceção. A avalanche laudatória nos jornais de hoje, colocando Zagalo nos umbrais da eternidade e comparando-o a grandes revolucionários em outros campos da ação humana (!!), me levam a complementar as observações que fiz ontem no calor da hora. Não o faço por birra ou bile, mas por coerência com o que sempre senti a respeito do senhor Mário Jorge. 1. Por aqui, é comum que, ao morrer, certos personagens virem impávidos colossos. Parte da imprensa, os louva-a-deus de costume, chamou Zagalo de craque. Como diria o Silvio Luiz: Pelo amor dos meus filhinhos! É a trivialização do craque, a deformação do futebol jogado pelos gênios de verdade. Como comparar Zagalo, só para ficar nos insofismáveis, a Pelé, Zico, Garrincha e Gerson? Qual torcedor rubro-negro o escalaria no Flamengo de todos os tempos? Qual alvinegro o escalaria no Botafogo de todos os tempos? 2. Praticamente nenhum jornalista mencionou o desrespeito com que Zagalo tratou a imprensa muitas vezes. O patético “vão ter que me engolir” foi dirigido a Juca Kfouri e Juarez Soares, que tiveram a ousadia (!) de criticar seu trabalho na seleção. Os patetas de hoje reproduzem o vídeo com o gesto autoritário como se folclore fosse. Na entrevista coletiva após o desastre na final da Copa de 1998, Zagalo teve um piripaque. Descontrolou-se com a pergunta de um jornalista, que quis apenas saber por que Ronaldinho havia sido escalado. Pergunta que todos tínhamos vontade de fazer. Saiu intempestivamente da sala, como se tivesse sido ofendido. Era este o temperamento do cara: quem critica é inimigo, quem questiona ofende. 3. Não cheguei a mencionar, mas sempre me incomodou o ufanismo barato do chamado Velho Lobo, vendido, por exemplo, nos dias terríveis da ditadura civil-militar (1964-1985). Propagou a lorota de que há uma fronteira impenetrável separando futebol e política. Péssimo exemplo de alienação. 4. Sobre a seleção de 70. Eu não disse que ele não contribuiu na formação do time. O que fiz, sempre como torcedor e observador, foi lembrar dos antecedentes de sua ascensão a técnico. Em 1966, assistimos ao maior fiasco da seleção em Copas do Mundo. Eliminados na primeira fase. Os anos seguintes foram melancólicos, com o futebol brasileiro atarantado, desfigurado, desprestigiado. Quando João Saldanha aceitou treinar a seleção, para as eliminatórias de 1969, iniciou o árduo trabalho de reconstrução. Montou uma base sólida, deu liga entre os setores do time, evitou interferências políticas, convocou os melhores. O resultado foi espetacular. A seleção voltou a ter credibilidade, o povo se reconciliou com o scratch, os adversários foram moídos. Era essa a situação quando Zagalo assumiu. De forma desonesta e digna da empáfia que o caracterizou, ele jamais concedeu os créditos a Saldanha. Pelé afirmou à BBC que Zagalo, ao assumir, deu continuidade ao trabalho que Saldanha havia iniciado. Precisa mais? Usando o simpático bordão do João Sem Medo: meus amigos, é isso!"