Por José Carlos de Assis
Temos em curso no Brasil uma conspiração destinada a desestabilizar o Governo Dilma sob o pretexto da luta contra a corrupção. É da mesma natureza das iniciativas para promover mudanças de regime na chamada Primavera Árabe, com a diferença de que, nesses casos, os regimes eram ditaduras estabilizadas, enquanto no nosso caso somos uma democracia vulnerável. Como não é possível estimular um golpe em favor de democracia que já existe, a desculpa é o combate à corrupção que se pretende vincular aos presidentes Lula e Dilma.
Pessoas de boa fé pensam que tal conclusão é precipitada. Eu próprio costumo rejeitar teorias conspiratórias, porém só até o ponto em que as evidências começam a falar mais alto. Vou tentar mostrar a evidência de uma conspiração em curso no Brasil usando como principal referência a principal revista de política externa dos Estados Unidos, a “Foreign Affairs”, insuspeita de antiamericanismo. Tomo como referência ensaios da edição de setembro/outubro sobre a crise na Ucrânia e sobre o golpe contra Allende no Chile há 40 anos.
Relativamente à Ucrânia, a revista diz abertamente que a crise é culpa sobretudo do ocidente, ou seja, dos Estados Unidos. Resulta da ambição da OTAN, sob liderança americana, de empurrar suas fronteiras para o Leste incorporando sucessivamente quase todos os estados da órbita da antiga União Soviética. Assim, em 1999, foram incorporadas a República Checa, a Hungria e a Polônia. Sempre sob protestos russos, em 2004 foram anexadas Bulgária, Estônia, Latvia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia. Em 2009, foi a vez de Albânia e Croácia.
Essas incorporações violaram compromissos formais estabelecidos com Gorbachev no processo de reunificação da Alemanha, para a qual foi essencial a concordância russa. A Rússia não reagiu além de protestos formais, parte porque estava ela própria internamente fragmentada, parte porque todos esses países incorporados à OTAN não fazem fronteira direta com ela, exceto os pequenos países bálticos. Em 2008, contudo, a OTAN manifestou a intenção de incorporar também as fronteiriças Geórgia e a Ucrânia, o que significava acabar de cercar a Rússia.
Nenhum líder russo aceitaria ou aceitará o cumprimento dessa ameaça no seu próprio quintal, muito menos um estrategista da estatura de Putin. Quando o presidente da Geórgia, simpatizante da entrada na OTAN, resolveu reincorporar as províncias rebeldes de Abkhazia e Ossétia do Sul, Putin reagiu imediatamente e as invadiu. Deixou claro, nesse movimento, que não aceitará a incorporação da Geórgia, um país limítrofe da Rússia, à OTAN, a não ser fragmentado. Assim como deixou claro a Bush, segundo um jornal russo, que “se a Ucrânia fosse admitida na OTAN ela cessaria de existir.”
“Foreign Affairs” faz um retrato realista do que aconteceu daí em diante na Ucrânia. No processo de criar a atmosfera “democrática” favorável à adesão à União Europeia, atalho para a entrada na OTAN, os Estados Unidos despejaram desde 1991 mais de US$ 5 milhões em instituições de formação de opinião no país, para – segundo Victoria Nulan, a secretária de Estado assistente para a Europa e a Eurásia -, criar para a Ucrânia “o futuro que ela merece”. Uma instituição especial, a National Endowment for Democracy, promoveu mais de 60 projetos para minar a estabilidade do Governo legítimo de Yanukovych, pró-russo.
O presidente dessa instituição, Carl Gershman, não deixou muita dúvida quanto ao objetivo último desse movimento. Numa entrevista ao New York Times, declarou que “a escolha da Ucrânia de integrar a Europa vai acelerar a morte da ideologia do imperialismo russo que Putin representa”. De forma ainda mais explícita, acrescentou que “os russos também enfrentam uma escolha, e Putin pode encontrar-se no lado perdedor final não no exterior do país, mas dentro da própria Rússia”. Putin reagiu a esse tipo de provocação invadindo a Crimeia e promovendo o referendo para sua anexação à Rússia.
Estou transcrevendo trechos dessa longa reportagem porque sei que os brasileiros não merecem de nossa imprensa, escrita ou televisiva, um noticiário imparcial sobre o que está acontecendo na Ucrânia. Nossa grande imprensa é em relação aos Estados Unidos mais governista, em qualquer circunstância, do que a própria imprensa da elite americana. Mas o que quero acentuar é que o governo americano tem uma estratégia clara de sustentação de sua dominação no mundo e está disposto a pagar qualquer preço, sobretudo se o preço foram instituições ou vidas de outros povos, para firmar seus objetivos estratégicos.
É nesse ponto que convém examinar a situação brasileira atual. Os Estados Unidos restabeleceram a Guerra Fria e elegeram a Rússia como inimigo estratégico, já que a Rússia, ainda uma potência nuclear de primeira linha, é o único poder estratégico, junto com a China na economia, capaz de rivalizar com eles. Ora, nós estamos cometendo a audácia de nos aproximarmos da Rússia e da China no âmbito dos BRICS, criando uma alternativa de desenvolvimento no mundo, tanto do ponto de vista geoeconômico quanto geopolítico. Para quem quer levar o braço da OTAN até as planícies ucranianas, esse é um grande desafio, considerando o fato de que Brasil e África do Sul são considerados quintais relativamente bem comportados do poderio americano.
Se para eliminar o risco de uma maior aproximação com a Rússia for necessário desestabilizar o Governo brasileiro, apelando para uma inventada condescendência com a corrupção, como aconteceu na Ucrânia, os Estados Unidos não se farão de rogados. Eles tem aliados poderosos aqui dentro como leais quinta-colunas. Por algum motivo gravaram os telefones da Dilma. Já no Chile, de acordo com documentos desclassificados depois de 40 anos da deposição de Allende, verifica-se, segundo a mesma “Foreign Affairs”, que o golpe e o assassínio de Allende foram orquestrados por Washington, sob coordenação de Henry Kissinger. Começou com o assassinato do general anti-golpista Schneider, pago pela CIA, e teve durante todo o tempo da conspiração a instigação permanente do jornal “El Mercurio”, que para isso recebeu da CIA US$ 11 milhões em dinheiro de hoje. A “Veja”, como todos sabem, passa por dificuldades financeiras. Não seria o caso de se examinar quem está sustentando suas infâmias destinadas a desestabilizar o Governo brasileiro?
J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.