Como Sergio Moro foi chamado de nazi-fascista por juiz após grampo em massa em advogados

Publicado por Vinicius Segalla - DCM ------ O ex-juiz e atual senador Sergio Moro (Pode-PR) tem em seu currículo uma coleção de dezenas de prisões ilegais e outros arbítrios contra advogados que atuavam em causas que ele julgava. Em uma oportunidade em que o ex-magistrado decidiu grampear as conversas de mais de 200 advogados com seus clientes por três anos, o juiz federal Flávio Antônio da Cruz, então colega de Moro no Juízo de Execução Penal de Catanduvas (PR), disse que o agora senador lançava mão de procedimentos de “cunho evidentemente nazi-fascista”. O grampo em massa não foi o primeiro nem o último ato dessa natureza praticado por Sergio Moro. Por mais de 15 anos, em diversas operações e forças-tarefas em que atuou anteriormente à Lava Jato, Sergio Moro agiu à margem do Direito brasileiro e em conformidade ao chamado “Direito Penal do Inimigo”. Entre tais ações, estão aquelas que o ex-advogado da Odebrecht Tacla Duran irá contar na semana que vem no Congresso Nacional, envolvendo cobrança de propina de investigados e seus advogados. Seus feitos renderam ao então juiz uma série de reprimendas e termos pouco abonadores proferidos pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outras cortes superiores. (leia mais abaixo). Apesar disso, Moro jamais recebeu qualquer punição que freasse sua conduta. Documentos de operações policiais e do Ministério Público Federal (MPF) nas quais Sergio Moro atuou como juiz – analisados pelo DCM -, mostram que o atual senador, entre outras ilegalidades, ordenou que se grampeassem de uma só vez as conversas de mais de 200 advogados com seus clientes, mandou prender advogados a fim de obter delação premiada por mais de três vezes, decretou prisões preventivas de advogados por cinco vezes seguidas, todas sem ouvir previamente o MPF, mandou que companhias aéreas informassem a seu juízo cada vez que advogados comprassem passagens de avião e determinou a uma agência do Banco do Brasil e a um cartório no Paraná que emitissem documentos e contas bancárias frias para um agente norte-americano efetuar um flagrante fabricado contra um brasileiro. Todas as ordens de Moro descritas acima são ilegais perante a lei brasileira, e assim foram consideradas e devidamente anuladas pelas instâncias superiores, mas nada sempre foi feito contra o ex-juiz. Na próxima reportagem do DCM sobre o tema, será explicado como pelo menos quatro ministros do STF já tinham conhecimento das práticas ilegais de Sergio Moro antes da Operação Lava Jato, já as haviam condenado, mas preferiram deixar impune o juiz de Maringá.
Com 208 celas individuais e 12 castigo e isolamento, o Penitenciária Federal de Catanduvas (476 km de Curitiba) foi inaugurada em junho de 2006 como a primeira prisão de segurança máxima da União. Criada para receber os criminosos considerados os mais periogosos do país, como os chefes do tráfico Marcinho VP e Fernandinho Beira Mar, foi projetada para atuar dentro do mais alto rigor e segurança previstos nas leis de execução penal. Sergio Moro era então o titular do Juízo da Seção de Execução Penal de Catanduvas, determinando o que podia e o que não podia ser feito pela diretoria da penitenciária. Em 2007, a Polícia Federal estava interessada em ouvir as conversas entre traficantes e seus advogados nos atendimentos que ocorriam dentro do presídio. Por tratar-se da quebra do sigilo constitucional da conversa entre o advogado e seu representado, para que se permita um grampo nessas conversas, é necessário que a polícia apresente os indícios que a levam crer que aqueles advogados estariam atuando como verdadeiros membros da quadrilha, e não seus meros defensores legais. Quer dizer: é só quando um advogado passa a cometer crime junto com seu cliente que suas conversas com seu representado podem ser passíveis de monitoramento via grampo. A Polícia Federal apresentou indícios de que os advogados de dois dos presos de Catanduvas haviam ultrapassado o limite legal, justificando assim a instalação de uma escuta para monitorar os diálogos com seus clientes. Para operacionar o grampo, porém, o que a PF pediu e Sergio Moro concedeu foi a instalação de uma escuta ambiental na sala de atendimento do presídio, utilizada por cada um dos presos que ocupavam as 208 celas individuais de Catanduvas. Assim, por ordem de Sergio Moro – que foi sistematicamente sendo prorrogada pelo mesmo magistrado ao longo de três anos -, todas as centenas de advogados que atuaram na Penitenciária de Catanduvas tiveram suas conversas confidenciais com seus clientes gravadas por uma escuta da PF, autorizada pela Justiça, sem que fossem suspeitos de qualquer crime. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não deixou de reclamar e tomar as providências a seu alcance para fazer parar a ilegalidade. Após uma série de derrotas judiciais no âmbito do TRF-4, no dia 25 de junho de 2010, Juliano Breda, então secretário geral da OAB/PR e presidente da Câmara de Direito e Prerrogativas, oficiou ao Conselho Federal e Advogados para protocolasse uma ação junto às cortes de Brasília para que a Penitenciária de Catanduvas fosse livre de quaisquer grampos ou escutas ilegais promovidas pela própria Justiça Federal no Paraná. A decisão também causou contrariedade em alguns pares do então juiz Moro. O juiz federal Flávio Antônio da Cruz, à época membro da Câmara Especial de Execução Penal de Catanduvas – órgão então presidido por Moro – por duas vezes votou contrariamente ao grampo nos advogados que atuavam no presídio federal. Em uma delas, fez uso de Platão para sustentar seu posicionamento. Leia trecho abaixo. Cediço, enfim, que a qualquer sujeito ‐ acusado ou mesmo já condenado ‐ deve ter assegurado o direito ao contato pessoal e reservado com o advogado da sua escolha (art. 5º, LXIII, CF). Sem esta prerrogativa, certamente o devido processo e o direito de petição (art. 5º, XXXIV, ‘a’, CF e art. 41, XIV, LEP) ficariam legados ao mundo das idéias de Platão; sem qualquer efetividade. Em outra parte do mesmo voto (de 2009), o magistrado alertou que Sergio Moro estaria agindo sob o conceito de Direito Penal do Inimigo, contrariamente ao que prevê a Constituição Federal, enveredando para ações de “cunho evidentemente nazi-fascista”: A busca da redução da violência urbana ‐ vetor essencial, não desconheço ‐ não pode, todavia, conformar um Direito Penal do Terror, ou, como querem alguns, um Direito Penal do Inimigo. Mesmo a existência de graves facções criminosas não autoriza a flexibilização de garantias fundamentais, que conformam a relação entre o indivíduo e o Estado. Essa flexibilização caminha, concessa venia, para o resgate da divisão maniqueísta ente ‘amigos e inimigos’ de Carl Schmitt ou a figura da ‘aversão ao direito’ de Edmund Mezger, de cunho evidentemente nazi‐fascista, repudiado pela Doutrina e legislação dos países democráticos (leia‐se, dentre outros, Zaffaroni. O inimigo do Direito Penal. 2ª ed. Revan, p. 184 e ss.).
Mas o juiz da Cruz foi voto vencido no âmbito do TRF-4. O magistrado permanece no mesmo nível na carreira até hoje, atualmente trabalhando como juiz substituto da 11ª Vara Federal de Curitiba. Até onde se sabe, o grampo em massa de Sergio Moro foi interrompido em 2010, quando o Superior Tribunal de Justiça (STF) determinou sua desativação.