Ataques de 8 de janeiro em Brasília.
Créditos: Joedson Alves/Agência Brasil
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A agência entregou à CPI dos Atos Golpistas um total de 11 relatórios que mostram várias frentes de organização das invasões das sedes dos Três Poderes; Veja o que diz cada um -----
Por Raphael Sanz - Revista Forum ------
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) compartilhou com a CPMI dos Atos Golpistas 11 relatórios que elaborou desde o fim das últimas eleições, quando as movimentações para tentar barrar a posse do presidente Lula (PT) se intensificaram.
A comissão investiga especialmente a depredação registrada em 8 de janeiro por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que destruiu as sedes dos três poderes em Brasília. Mas uma série de fatos prévios, e contemplados pelos relatórios da Abin, são de extrema importância para apurar as sistemáticas intentonas golpistas.
Entre os 11 relatórios entregues à CPMI dos Atos Golpistas, a Abin disseca nomes de empresários, empresas e apoiadores em geral que atuaram como financiadores, incitadores ou mesmo lideranças intelectuais das golpetas.
Também disseca a atuação de grupos de extrema-direita e fascistas que planejavam ações violentas como o fracassado atentado à bomba da última véspera de Natal, e relembra a já esquecida sequência de sabotagens contra a rede elétrica do país.
Leia um resumo de cada relatório a seguir.
Empresários que financiaram ônibus fretados para golpistas
De acordo com o primeiro relatório da Abin, 103 ônibus fretados foram contratados por 83 empresários bolsonaristas e 13 organizações empresariais para levar quase 4 mil golpistas para Brasília.
Todos está identificados.
Grande maioria dos contratantes é das regiões Sul e Sudeste.
O empresário Pedro Luis Kurunczi, de Londrina (PR), é um dos financiadores identificados. Ele financiou a ida de 153 golpistas em 4 ônibus à capital.
Marcelo Panho, de Foz Iguaçu (PR), fretou dois ônibus e carregou outros 73 golpistas.
Kurunczi e Panho foram alvos da Operação Lesa Pátria, da Polícia Federal, no último mês de fevereiro.
Garimpeiros financiam golpismo com sangue indígena
O segundo dos 11 relatórios da Abin se debruça sobre um setor específico: os garimpeiros, os mesmos ameaçam os povos indígenas e destroem os biomas brasileiros, em especial a Amazônia.
Os dados do relatório foram produzidos em análises de máquinas usadas no garimpo ilegal no Pará que ajudaram os investigadores a encontrar uma rede de empresários do setor que financiou atos golpistas.
Roberto Katsuda e Enric Lauriano, famosos empresários ligados ao garimpo no Pará, têm entrada no meio político local.
Lauriano esteve presente em Brasília no 8 de janeiro e financiou manifestações golpistas em casa, no Pará.
Katsuda é apontado como o grande articulador do setor e ferrenho defensor de projetos de lei que liberam o garimpo e a mineração em áreas indígenas. Ele seria o financiador da estrutura usada pelo garimpeiror vereador Wescley Tomaz.
Sudoeste do Pará: nas terras indígenas Kayapó e Trincheira-Bacajá foram encontradas 8 retroescavadeiras ilegais.
Três das retroescavadeiras eram de propriedade da BMC Máquinas, Equipamentos Pesados, Engenharia e Locações, de Felipe Sica Soares Cavalieri. A sede da empresa é em Itatiaia (RJ).
Outras quatro já foram de propriedade da mesma empresa, mas foram vendidas.
A filha de Roberto Katsude administra a sede da BMC em Itaituba, no Pará.
O grupo lobbista tem feito reuniões com parlamentares desde 2018 a fim de liberar o garimpo e a mineração em terras indígenas. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já se reuniu com o bando.
O PL 191, que atende aos interesses do grupo e ameaça os povos indígenas, foi elaborado e apresentado a partir dessas reuniões.
Transportadoras garantem locomoção do fascismo
O terceiro relatório da Abin apo
O Mato Grosso é o estado que mais mobilizou caminhões no período: 136.
Goiás (46), Bahia (46) e Paraná (26) completam a lista dos que mais enviaram caminhões à capital.
Dos 272 caminhões, 132 pertencem a empresas que, segundo a Abin, financiaram os acampamentos golpistas armados diante do Quartel-General do Exército em Brasília.
Outros 140 veículos estão em nomes de pessoas físicas mas não pertenciam aos caminhoneiros autônomos que os dirigiam. Os proprietários são sócios de empresas ligadas ao agronegócio.
A Abin identificou todas as rotas utilizadas e os nomes das empresas e empresários envolvidos.
O CNPJ com mais caminhões na trama golpistas é a Sipal Indústria e Comércio, sediada em Paranaguá, no litoral do Paraná. Seu faturamento em 2021 ultrapassou os R$ 250 milhões.
Ameaças, atentados a bomba e sabotagem
O quarto relatório da Abin aponta que após o 8 de janeiro fracassar, a tendência era que os bolsonaristas escalassem nos episódios de violência na sua tentativa de reverter os resultados eleitorais. Atos de vandalismo em massa como os registrados em 12 de dezembro, atentados com bombas em locais públicos como o que frustrado na véspera de Natal e a sabotagem a sistemas de eletricidade eram os principais temores da Inteligência.
Alguns fatos levaram à conclusão do relatório.
Uma mochila com quatro artefatos supostamente explosivos conectados a uma placa eletrônica foi encontrada em Feira de Santana, na Bahia, em 10 de janeiro.
No dia 11, um outro explosivo foi encontrado pela polícia perto da rodoviária de Brasília, no Plano Piloto.
Ataques a torres de linhas de transmissão de eletricidade
Do fim de dezembro e ao longo de janeiro, uma série de ataques a torres de linhas de transmissão de eletricidade foi atacado por bolsonaristas, tendo causado, inclusive as quedas de quatro torres. Os episódios acabaram negligenciados pela imprensa em meio ao turbilhão de acontecimentos relacionados ao golpismo, mas não escaparam aos relatórios da Abin.
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Em 28 de dezembro houve a primeira tentativa de derrubar uma torre, em Loeto (MA). Na ocasião dois botijões de gás foram utilizados na tentativa frustrada de derrubar a estrutura da Eletronorte.--
Os primeiros casos registrados de ataques bolsonaristas a torres de transmissão de energia elétrica ocorreram na madrugada seguinte aos ataques em Brasília, entre os dias 8 e 9 de janeiro. Na ocasião foram derrubadas três torres, uma no Paraná e duas em Rondônia.
Nos dias subsequentes, só em Rondônia foram derrubadas 3 torres; a outra foi derrubada no Paraná.
As torres derrubadas em Rondônia são da Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás, e ficam localizadas nas cidades de Cujubim (Torre 219) e Rolim de Moura (Torre 724). A torre derrubada no Paraná ficava instalada na cidade de Medianeira, a 50 quilômetros de Foz do Iguaçu.
Na sequência, vieram dois ataques em São Paulo, ambos em 12 janeiro. O primeiro ocorreu em Rio das Pedras, em linha de alta tensão que liga os municípios de Assis e Sumaré.
De acordo com a Aneel houve uma clara tentativa de derrubar a torre, que pertence ao sistema da Taesa. Relatos dão conta de sabotagem nas estruturas de sustentação da torre.
No mesmo dia, outra torre foi atacada em Palmital (SP). Dessa vez a linha atacada é operada pela empresa ISA CTEEP e cobre trecho entre as cidades de Assis e Andirá. Apesar das tentativas, torres não foram derrubadas em São Paulo.
Em 13 de janeiro ocorreu novo ataque, no interior do Paraná, na cidade de Tupãssi, em linha de transmissão que liga Foz do Iguaçu (PR) a Ibiúna (SP). A torre, sob responsabilidade da Furnas, não foi derrubada.
No sábado (14) a quarta torre de transmissão foi posta abaixo em Rondônia, volta das 18h43, em linha de transmissão localizada entre os municípios de Pimenta Bueno e Vilhena. A Torre 277, localizada em Vilhena, foi derrubada.
Novamente, a Aneel relatou sabotagem das estruturas físicas como a causa da derrubada da torre.
Entre as 12 torres que não caíram, mas acabaram danificadas, 6 estão em Rondônia, 4 no Paraná e 2 em São Paulo. O fornecimento de energia não foi afetado pelas ocorrências.
Influenciadores digitais da “resistência civil”
Entre uma miríade de influenciadores digitais que incentivaram todo tipo de ato golpista, o sexto relatório da Abin explorou a história de um em especial, que pregava a “resistência civil” contra o Estado brasileiro. A radicalidade, é claro, ficaria por conta do novo governo.
O homem tem 24 anos e é ativo em listas e grupos do Telegram, onde participa de 119 grupos bolsonaristas.
Ele foi o principal defensor “intelectual” e prático das ações violentas que escalariam após o 8 de janeiro.
O influenciador propunha a criação e o treinamento de grupos paramilitares.
Também declarava que o seu próprio grupo paramilitar, no Rio de Janeiro, já estaria em marcha e teria policiais como membros.
Fuga das galinhas verdes e amarelas
O sétimo relatório da Abin versa sobre um bolsonarista, participante dos atos golpistas, que ajudou outros apoiadores de Bolsonaro a fugirem de Brasília após o 8 de janeiro.
O homem tem 26 anos e em 2022 concorreu a deputado distrital pelo PTB de Roberto Jefferson. Recebeu R$ 50 mil do partido para disputar as eleições e não foi eleito.
Foi com o dinheiro da campanha, bancada pela legenda, que ele financiou passagens de ônibus para golpistas se juntarem ao acampamento do QG.
Ele tentou invadir a sede da PF em dezembro e estava no 8 de janeiro.
Escalada da violência por agentes da extrema-direita
Para além de uma escalada geral da violência golpista, a Abin também detectou um aumento na atuação dos chamados “extremistas violentos ideologicamente movidos” (Evim).
De acordo com a Agência, já era notável a atuação desses grupos mesmo antes do 8 de janeiro.
Entre as ações que entram nesse escopo está, novamente, o atentado a bomba da véspera de Natal.
Foram esses grupos que resistiram no acampamento do QG após sua desmobilização parcial em 3 de janeiro, mesma data que começou a ser convocada a manifestação de 8 de janeiro.
Inicialmente, a invasão das sedes dos três poderes deveria ocorrer no dia 6, como uma homenagem a Invasão do Capitólio em Washington (2021).
De acordo com a Abin as ações violentas da data foram premeditadas. Mensagens indicavam o uso de máscaras de proteção contra gás, além de armas brancas.
Abin mapeou presos e foragidos do 8 de janeiro
O nono relatório que a Abin apresentou à CPMI dos Atos Golpistas faz um mapeamento de todos os presos e foragidos do 8 de janeiro.
28 pessoas que protagonizaram os ataques e tinha ordem de prisão ainda não haviam sido presas em 26 de janeiro, quando o relatório foi concluído.
Os nomes foram divididos em 6 categorias: lideranças identificadas, invasores armados, influenciadores, organizadores de caravanas, financiadores e invasores comuns.
Eduardo Antunes Barcelos, Joelson Sebastião Freitas e Marisa Aparecida Aires Nogueira são três pessoas classificadas como “invasores armados” pela Abin que foram presos após a publicação do relatório.
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Grupo fascista ameaçava posse de Lula--
No décimo relatório, a Abin aponta a existência e as atividades de um grupo fundamentalista e fascista que planejava ação violência durante a posse de Lula, em primeiro de janeiro, como meio de ameaçar e intimidar o novo presidente.
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De acordo com a Abin, militares da reserva integram o grupo.---
Membros do grupo foram vistos perto da sede da Polícia Federal durante a diplomação de Lula, em 12 de dezembro, quando o prédio foi atacado.
O grupo se comunicava com radicais que queriam criar células paramilitares pelo país.
Um dos líderes do grupo participou da invasão da Câmara dos Deputados em 2016, que pedia “intervenção militar”.
O mesmo grupo fundamentalista foi apontado como o responsável pela incitação ao vandalismo durante o desfile de 7 de setembro de 2021 na capital.
Agronegócio é morte e golpe
Por fim, o relatório derradeiro aponta quem são os principais líderes do assim chamado Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA), acusado de articular os atos antidemocráticos registrados em Brasília no último dia 8 de janeiro. Setores ligados ao agronegócio compõem o grupo que levou bolsonaristas do Norte e do Centro-Oeste para a capital federal.
O documento foi produzido em 10 de janeiro e tem a numeração 0005/2023.
A Abin fez um levantamento que começou logo após o segundo turno das eleições, quando integrantes do MBVA lideraram bloqueios de rodovias em Goiás, Mato Grosso do Sul, Roraima e Tocantins.
De acordo com a Abin, o grupo tem “recursos econômicos para financiar transporte de manifestantes e ações extremistas como as ocorridas em 8 de janeiro”.
O MBVA surgiu em 2017, formado basicamente por produtores de soja do Centro-Oeste. Cresceu antagonizando com os setores do agro voltados para a exportação.
Enquanto os exportadores apresentam maiores preocupações ambientais e trabalhistas, com vistas a não perder vendas para a Europa e os EUA, os produtores ligados ao MBVA carregam valores mais próximos do bolsonarismo, com pouca ou nenhuma preocupação ambiental e social.
A Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja) teria contribuído com o MBVA na organização de atos favoráveis ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A principal liderança, tratado por “general” dentro do MBVA, é Antônio Galvan – que ainda acumula a presidência da própria Aprosoja e é membro do Proarmas.
Galvan já foi alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo apoio aos atos golpistas e, quando intimado a dar depoimento à Polícia Federal, compareceu à sede da PF em cima de um trator e acompanhado de apoiadores. No ano passado, candidatou-se senador pelo Mato Grosso pelo PTB de Roberto Jefferson. Felizmente não se elegeu.
Ainda segundo o relatório da Abin, o advogado e produtor rural Jeferson Rocha seria uma espécie de líder intelectual do MBVA.
Nas redes sociais ele defendeu a anulação das eleições e o controle sobre o STF. Rocha negou participação nos atos golpistas à imprensa.