"Como é um alentejano?
É, assim, a modos que atravessado.
Nem é bem branco, nem preto, nem castanho, nem amarelo, nem vermelho...
E também não é bem judeu, nem bem cigano.
Como é que hei-de explicar?
É uma mistura disto tudo com uma pinga de azeite e uma côdea de pão:
- Dos amarelos, herdámos a filosofia oriental, a paciência de chinês e aquela paz interior do tipo "não há nada que me chateie";
- Dos pretos, o gosto pela savana, por não fazer nada e pelos prazeres da vida;
- Dos judeus, o humor cáustico e refinado e as anedotas curtas e autobiográficas;
- Dos árabes, a pele curtida pelo sol do deserto e esse jeito especial de nos escarrancharmos nos camelos;
- Dos ciganos, a esperteza de enganar os outros, convencendo-os de que são eles que nos estão a enganar a nós;
- Dos brancos, o olhar intelectual de carneiro mal morto;
- Dos vermelhos, essa grande maluqueira de sermos todos iguais.
O alentejano, como se vê, mais do que uma raça pura, é uma raça apurada.
Ou melhor, uma caldeirada feita com os melhores ingredientes de cada uma das raças.
Não é fácil fazer um alentejano.
Por isso, há tão poucos.
É certo que os judeus são o povo eleito de Deus.
Mas os alentejanos têm uma enorme vantagem sobre os judeus: nunca foram eleitos por ninguém, o que é o melhor certificado da sua qualidade.
Conhecem, por acaso, alguém que preste que já tenha sido eleito para alguma coisa?
E já imaginaram o que seria o mundo governado por um alentejano?
Era um descanso"
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Armanda Ferreira