© AFP 2023 / Dmitry Astakhov / Serviço de imprensa da Presidência russa ------- por
Valdir da Silva Bezerra ----
Sputnik – Durante o início dos anos 2000, Brasil e Rússia testemunharam mudanças significativas em seu status internacional, devido ao crescimento de suas economias, ao pagamento de antigas dívidas perante o Ocidente e, não menos importante, por conta da chegada ao poder de novas lideranças políticas, como Lula e Putin.
Tendo estabelecido boas relações com Putin já em sua primeira passagem pelo governo brasileiro, Lula, que retornou à presidência em 2023, vem dando sinais de que a cooperação entre Brasil e Rússia tende a se aprofundar, o que também trará consequências para a América Latina e para o mundo.
A própria visita de Sergei Lavrov ao Brasil e de Celso Amorim a Moscou ainda no início do mandato de Lula já indicava que as relações russo-brasileiras continuarão próximas. Além disso, como quinto maior país do mundo e 12ª economia global, o Brasil se apresenta como uma potência regional proeminente, o que o credencia a um papel político importante para a política externa russa no Sul Global.
Até é por isso que durante os anos 2000 ambos os países ampliaram sua cooperação no âmbito do BRICS e do G20, no intuito de melhorarem sua posição internacional em instituições de governança global dominadas pelo Ocidente. Ademais, o atual distanciamento com a União Europeia e os Estados Unidos fez com que a Rússia direcionasse maiores esforços para regiões como a África e a América Latina, com as quais Moscou detém um rico histórico de cooperação por conta do legado soviético.
Neste sentido, é importante ter em mente que os países do chamado Sul Global (do qual o Brasil faz parte) correspondem justamente àquelas regiões ou países cuja história está fortemente associada à exploração exercida pelas potências ocidentais em séculos passados. Logo, em vista de suas desconfianças comuns quanto ao Ocidente, tanto a Rússia como o Sul Global vêm unindo forças para atingir um mundo multipolar mais justo e solidário.
Não por acaso, com Lula novamente à frente do Brasil, o país tem retomado sua liderança na defesa da multipolaridade e do multilateralismo nas relações internacionais, discurso esse que se coaduna com o dos russos e, no limite, com o do BRICS. Aliás, o grupo recentemente ampliou sua presença na América Latina por meio do convite feito à Argentina para fazer parte do BRICS em 2024, Argentina essa com quem a Rússia também possui boas relações políticas.
No mais, a Rússia vê com bons olhos demais iniciativas regionais como o Mercosul, a CELAC e a UNASUL, por entender que elas objetivam consolidar a América Latina como um dos centros de influência do mundo multipolar. Com Lula, a liderança do Brasil nestes blocos tem sido fundamental, atuando na organização de diálogos com outras regiões e países do globo. A Rússia, por exemplo, possui relações oficiais com a CELAC, assim como a China, a Turquia, os países árabes e outros atores importantes.
Diante desse contexto, seria razoável esperar por novas conversações em torno da cooperação entre o Mercosul e a União Econômica Eurasiática liderada pela Rússia, dado o entrave nas negociações do Mercosul com a União Europeia, por exemplo. Aliás já existe um memorando nesse sentido assinado ainda em 2018, mas que acabou sendo deixado de lado devido a crises políticas internas no Brasil e também por conta de mudanças no governo durante a administração Bolsonaro.
Seja como for, atualmente o Brasil de Lula e a Rússia de Putin voltam a se apresentar como atores fundamentais para o fortalecimento desse diálogo inter-regional, assim como para a defesa do multilateralismo e da pluralidade civilizacional nas relações internacionais. Sua cooperação bilateral também se faz importante no discurso em torno da reforma das instituições monetárias e financeiras globais dominadas pelo Ocidente e do próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas. Vale lembrar que a Rússia apoio o pleito do Brasil por uma cadeira permanente no Conselho.
Não obstante, a posição russo-brasileira contra o unilateralismo americano, através da concertação com outras potências importantes como China, Índia, Irã, Turquia, entre outros, tem se tornado um dos principais marcos políticos do século XXI.
Com relação à posição do Brasil a respeito do conflito na Ucrânia, por sua vez, ainda não se sabe quando Lula terá a oportunidade de encontrar-se pessoalmente com Vladimir Putin para discutir o assunto. No entanto, uma coisa é certa: quando essa reunião ocorrer, ambos os líderes ouvirão com bastante interesse e reverência as posições um do outro, o que poderá trazer algum impulso para o (re)estabelecimento de esforços no sentido de uma solução negociada para a crise no Leste Europeu.
Ademais, de um futuro encontro entre Lula e Putin também poderão surgir novas ideias e perspectivas a respeito de uma governança global mais justa, envolvendo relações mais construtivas entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.
Em resumo, as interações entre Brasil e Rússia possuem grande potencial em temas como a promoção da cooperação Sul-Sul e Sul-Leste, o aumento da influência de economias emergentes em instituições multilaterais, o fortalecimento da América Latina e da Eurásia como atores independentes nas relações internacionais, entre muitos outros.
Nesse sentido, as relações com a Rússia continuarão representando um vetor essencial para a política externa brasileira sob o terceiro mandato de Lula, assim como as relações com o Brasil continuarão representando uma plataforma valiosa para a aproximação de Moscou com a América Latina e o Sul Global.
Mesmo diante de um cenário atual bastante conturbado, tudo indica que ambos os países têm totais condições de caminhar no sentido do aprofundamento de sua parceria estratégica, cooperando com os demais países latino-americanos e com o BRICS para a construção de uma ordem internacional justa e verdadeiramente plural.
Afinal, atuando como líderes em suas respectivas regiões, as expectativas em torno de Brasil e Rússia são muitas, mas talvez a principal delas seja essa: de que ambos possam se firmar como importantes centros de influência num mundo multipolar.