Reginaldo Nasser criticou postura brasileira, especialmente após reunião do representante de Tel Aviv com Jair Bolsonaro, e defendeu que governo Lula seja parte de 'consenso em repúdio às atitudes de Israel’ -----
VICTOR FARINELLI---
Valparaíso (Chile) ------
Os atritos entre os governos do Brasil e de Israel têm se intensificado nos últimos dias, com os três temas mais relevantes dessa relação apresentando novidades que colocaram em xeque a postura brasileira diante de Tel Aviv.
Em menos de 24 horas, Brasília foi testemunha de três acontecimentos importantes: a sexta lista israelense com refugiados estrangeiros autorizados a deixar Gaza, novamente sem a presença das 34 pessoas solicitadas há 17 dias pelo governo brasileiro; uma reunião na Câmara dos Deputados entre o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, e o ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro (PL-RJ); e a divulgação de uma estranha operação da Polícia Federal (PF) que prendeu dois supostos colaboradores do grupo nacionalista libanês Hezbollah em São Paulo, ação que Tel Aviv assegurou ter contado com apoio do Mossad, seu serviço de inteligência.
Segundo o professor livre docente em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Reginaldo Nasser, o Brasil está se deixando levar por uma postura “chantagista” de Israel, e precisa adotar uma postura mais dura para com o governo de Benjamin Netanyahu.
“É preciso ver a política internacional não apenas pelo aspecto da diplomacia. O Brasil tem esse histórico equivocado que foi quebrado justamente pelo primeiro governo do Lula, em 2002, graças à nomeação do Marco Aurélio Garcia como assessor internacional. O próprio Lula chegou a dizer que, na política externa brasileira, ‘o Celso Amorim era gabinete, o Marco Aurélio era rua’, e o que está faltando ao Brasil neste momento não é diplomacia, é rua, e digo ‘rua’ no sentido da política, da conversação política a partir de um discurso duro mas também consistente, na hora precisa, sem recusar o diálogo, mas também sem aceitar chantagem, que é o que acontecendo nesse caso dos brasileiros retidos em Gaza”, comentou Nasser, em entrevista a Opera Mundi.
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Embaixador israelense ---
Um dos aspectos dessa postura branda demais do Governo Lula para com Israel, segundo o professor da PUC-SP, é a tolerância com as declarações e atividades do embaixador israelense Daniel Zonshine, especialmente a já citada reunião entre ele e Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
Nasser chamou a atenção para o fato de que, antes dessa reunião, Zonshine já havia feito críticas inconvenientes ao PT e também foi responsável por divulgar essa informação sobre a suposta ligação de brasileiros com o Hezbollah e a participação do Mossad nessa operação.
“Ele age dessa forma porque percebeu que tem espaço, que não há nenhum óbice do governo. A pergunta é por que o Brasil permite isso. O governo brasileiro já deveria ter feito uma nota dura, antes mesmo desse encontro (com Bolsonaro), que provavelmente levaria esse embaixador a cancelar o encontro, ou ao menos justificaria uma medida mais forte, como cancelar a autorização para que esse embaixador (Zonshine) possa atuar aqui, e acho que isso é o que deveria ser feito neste momento”, conclui o acadêmico.
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Consenso contra Israel ---
Na visão de Nasser, a postura brasileira com relação à nova ofensiva israelense em Gaza é a mesma que o país mantém há alguns anos, mas que deveria mudar, porque o cenário atual é diferente.
“Na geopolítica, as circunstâncias vão mudando, alguns países estão redefinindo suas posturas, a partir de fatos novos. Se analisarmos a evolução das posturas de cada país desde o dia 7 de outubro (primeiro ataque do Hamas) até hoje, podemos observar uma dinâmica diferente, inclusive entre os países do Brics, com exceção da Índia, que é um parceiro de Israel, mas a Rússia e a China estão se reposicionando, apesar de tentarem manter o seu bom relacionamento com Israel, estão se mostrando muito mais favoráveis à questão palestina e repudiando as ações de Israel. A Arábia Saudita, que estava sendo cortejada para fazer um acordo de normalização das relações (com Israel) tem dado declarações duríssimas. O mesmo acontece com outros países da região, como a Turquia, ou a Jordânia, que sempre foi aliada de Israel e agora tem sido crítica”, analisou o especialista em relações internacionais.
O acadêmico considera que esse cenário que vem sendo gerado a partir das posições adotadas pelos países do Brics e por alguns dos vizinhos de Tel Aviv favoreceria uma guinada na relação entre os governos de Lula e Netanyahu.
“Uma postura mais dura do Brasil não seria algo isolado, pelo contrário, seria muito bem acolhida. Uma coisa é manter as negociações diplomáticas, que precisam continuar, outra coisa é abaixar a cabeça (para Israel). O Brasil, portanto, pode tomar medidas mais duras, e sem que isso pareça voluntarismo. Há uma conjuntura no Oriente Médio que caminha para um consenso para reprovar radicalmente as atitudes de Israel, e o Brasil deveria ser parte disso”, comentou Nasser.
O especialista ressalta que “o Brasil tomou posições corretíssimas no que diz respeito à guerra da Ucrânia, que é uma guerra entre estados constituídos, reconhecidos internacionalmente”, mas que se equivoca ao tentar tratar da mesma forma o conflito em Gaza, “que é uma coisa bem diferente, pois se trata de um conflito colonial, existe uma colonização do território da Palestina e uma luta pela construção de um Estado e a libertação nacional”.