Lira ataca Padilha, mas seu alvo não declarado é Lula
-------------
Tornou-se tedioso, de tão repetitivo, o relato de que o governo vive uma crise em sua articulação política. Há interesses criando essa narrativa.
Uma tal versão, a de crise permanente, tem dois alvos.
O primeiro alvo é o governo Lula, a quem os opositores de diversos matizes interessa manter acuado, em clima de crise e sob cerco, ameaçado por uma debacle tão iminente quanto eterna.
O segundo alvo, que nenhum envolvido busca disfarçar, é o ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, incumbido do relacionamento do governo com a sua base nas duas casas do Congresso. Não é à toa que Padilha mereceu de Arthur Lira os qualificativos de "desafeto" e "incompetente".
Padilha realiza uma política cujo artífice é Lula. Lira ataca Padilha, mas seu alvo não declarado é Lula, que está desmontando, pela ação de Padilha, o esquema corrupto pelo qual o presidente da Câmara manipula o poder naquela Casa e pelo qual pretende dominar também o governo como um todo.
Cabe a Padilha, por ordem de Lula, cimentar a presença dos partidos da base parlamentar de apoio na estrutura administrativa do governo federal. São acordos de parte a parte que incluem promessas e compromissos razoavelmente estáveis com base em fidelidades mútuas.
Essa construção de Lula e Padilha caminha bem. Isso incomoda vários personagens e instâncias que dependem, para maximizar seus lucros, da imagem de um governo fraco e em crise permanente.
O mais saliente desses interessados é o presidente da Câmara, Arthur Lira, o grande beneficiário do orçamento secreto por ele manejado nos tempos do governo de Jair Bolsonaro. A mamata das chamadas emendas de relator acabou, coincidindo com a chegada de Lula ao Planalto.
O outro interessado no espargimento da sensação de crise permanente é a mídia hegemônica, de índole sempre ávida em difundir um clima de que o Executivo está assolado por vulnerabilidades insanáveis que ameaçam soterrar a gestão e comprometer a governabilidade.
Existem tensões obviamente decorrentes da queda de braço entre a velha extorsão realizada por Lira junto aos parlamentares e ao Executivo. Agora, este governo não aceita um atravessador em seu relacionamento com os partidos do Congresso. Não terceiriza para Lira como se ele fosse o dono da liberação das emendas valorizadas pelos parlamentares. O próprio governo chama a si, a Padilha, a gestão dessas liberações. O mesmo acontece com as áreas e cargos no Poder Executivo.
Também por isso, ao contrário do que alguns querem fazer crer, o presidente Lula está longe de ter seu governo ameaçado de alguma forma mais grave.
Ao contrário, a sua base parlamentar cresce. E o melhor é que ela se consolida em bases mais republicanas. O Planalto negocia diretamente com os partidos, instituições basilares de qualquer democracia. Com isso, o governo procura passar ao largo da centralização monopolizada por Lira numa prática de cabresto típica do coronelismo mais atrasado.
Lira reage açulando seus aliados, inclusive na mídia monopolista. No governo, ameaças da mídia hegemônica, a serviço de Lira, buscam paralisar ministérios e fritar gestores preparados, como é o caso da própria ministra Nísia Trindade, da Saúde. Passou da hora de dar um basta nessa tentativa de usar sequestrar áreas cruciais, como o atendimento de saúde à população, com fins políticos pessoais.
A verdade é que o governo chama a si o que lhe cabe: a distribuição e a liberação das emendas parlamentares, a negociação da presença dos partidos no Executivo e a conformação da base parlamentar governista. A bancada na Câmara, que no início deste mandato contava com pouco mais de cem deputados, alcança hoje mais de 300, como sugere a recente votação de recriação do DPVAT, pondo em perspectiva a criação de uma relação mais saudável entre o governo e o Parlamento.