O REBELDE IMORTAL RAUL SEIXAS

por João Nunes Contreira ------- O sonho do brasileiro na década de 70 era poder comprar televisão e carro. Aí, o ousado e gênio controverso, Raul Seixas, vai lá e critica tudo isso criando uma letra cheia de sarcasmo, em Ouro de Tolo. Raulzito se inspirou no costume dos falsos alquimistas que, na idade média, prometiam transformar chumbo em ouro. Daí vem o nome da música, que faz parte do álbum Krig-ha, Bandolo!, lançado em 1973. A música, que apresenta uma crítica ácida sobre os sonhos e anseios patéticos da sociedade, foi uma das principais responsáveis por projetar Raul Seixas para o sucesso nacional. A sonoridade leve de Ouro de Tolo se contrapõe à letra que é um verdadeiro tapa na cara da classe média brasileira, e que até hoje faz todo o sentido para compreender nossos valores em tempos sombrios e marcados pelo ódio. ------------------------------ OURO DE TOLO ------- Eu devia estar contente Porque eu tenho um emprego Sou o dito cidadão respeitável E ganho quatro mil cruzeiros por mês ----- Eu devia agradecer ao Senhor Por ter tido sucesso na vida como artista Eu devia estar feliz Porque consegui comprar um Corcel 73 ------- Eu devia estar alegre e satisfeito Por morar em Ipanema Depois de ter passado fome por dois anos Aqui na Cidade Maravilhosa --------- Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso Por ter finalmente vencido na vida Mas eu acho isso uma grande piada E um tanto quanto perigosa -------- Eu devia estar contente Por ter conseguido tudo o que eu quis Mas confesso, abestalhado Que eu estou decepcionado Porque foi tão fácil conseguir E agora eu me pergunto: E daí? Eu tenho uma porção De coisas grandes pra conquistar E eu não posso ficar aí parado ------------ Eu devia estar feliz pelo Senhor Ter me concedido o domingo Pra ir com a família no Jardim Zoológico Dar pipoca aos macacos Ah! Mas que sujeito chato sou eu Que não acha nada engraçado Macaco, praia, carro, jornal, tobogã Eu acho tudo isso um saco ---‐---‐------- É você olhar no espelho Se sentir um grandessíssimo idiota Saber que é humano, ridículo, limitado Que só usa 10% de sua cabeça animal E você ainda acredita Que é um doutor, padre ou policial Que está contribuindo com sua parte Para o nosso belo quadro social --------------- Eu é que não me sento No trono de um apartamento Com a boca escancarada, cheia de dentes Esperando a morte chegar Porque longe das cercas embandeiradas Que separam quintais No cume calmo do meu olho que Assenta a sombra sonora dum disco voador