por Edward Magro -----------
Se Ulysses Guimarães, o eterno "Senhor Diretas", ressuscitasse hoje, faria uma revisão urgente de sua célebre frase: "Você acha que esta legislatura é ruim? Então espere as próximas eleições e sentirá saudades desta." A história do parlamento brasileiro, especialmente pós-64, é um verdadeiro tratado sobre como piorar o que já parecia insuperavelmente ruim.
Vira-latas empedernidos, nossos políticos hereditários emulam, em tudo, o que veem no parlamento estadunidense. Lá no norte pantanoso, o jornalista Edward Abbey cunhou a expressão "the best Congress money can buy" – em tradução livre, "o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar" –, uma tirada ácida que descreve com precisão cirúrgica o que acontece quando o poder legislativo vira um balcão de negócios. No Brasil legislativo, fomos além: aqui, o Congresso não só é comprado, como também é revendido, alugado e, em alguns casos, até leiloado. Tudo "dentro das quatro linhas da Constituição", como diria o futuro presidiário boquirroto, que viveu 28 anos legislando na nobre causa da rachadinha e congêneres.
Olhando para o atual parlamento brasileiro, se Ulysses Guimarães estivesse por aqui, ele atualizaria sua frase para: "Você acha que o atual presidente da Câmara é ruim? Então espere o próximo e sentirá saudades deste"; máxima que tem se mostrado verdadeira desde que Eduardo Cunha, um dos fundadores do gangsterismo da extrema-direita bolsonarista, literalmente tomou de assalto o comando da Casa – democraticamente eleito, diga-se.
O neopentecostal Cunha, mesmo com dezenas (senão centenas) de acusações de corrupção em seu embornal, assumiu a presidência da Câmara e levou para a mesa diretora seu vasto conhecimento em negociatas e maracutaias de todo tipo. Acostumado a assaltar cofres públicos do Rio de Janeiro, em Brasília ampliou seu balcão de negócios, comprou apoios e tentou destruir, por dentro, a novata democracia brasileira, implementando o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff.
Cunha, para quem não lembra, foi condenado a mais de 30 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e outras gentilezas. Mas, como a política brasileira opera em um universo paralelo, ele segue atuando nos bastidores, garantindo que seu legado de destruição continue intacto. Seu maior feito? Criar sua própria escola de formação política, que já produziu alguns dos maiores nomes da rapinagem legislativa.
Ironicamente, Cunha só caiu em desgraça quando terminou de cumprir seu papel no golpe e não interessava mais aos golpistas mantê-lo solto. Para condená-lo, usaram o dublê de juiz Sérgio Moro, outra figura obscena saída do pântano fascista.
Como vingança institucional, Cunha emplacou seu assessor mais próximo, Arthur Lira, como presidente da Câmara. Lira, o aluno mais dedicado de Cunha, aprofundou a arte da rapinagem legislativa. Sob seu comando, o orçamento da União virou um playground para emendas secretas – criadas em parceria com Bolsonaro – além de chantagens diárias contra governos estaduais e ao STF.
E o que dizer de Hugo Motta, o atual presidente da Câmara?
Pelo que mostrou em sua primeira semana de presidência, se não é, se assemelha muito a mais um produto da "escola Cunha".
Cria dileta do "centrão", o jovem do sertão da Paraíba tem o apoio irrestrito dos bolsonaristas e do pentecostalismo argentário – encastelado no Republicanos, seu partido – e, para piorar, recebeu votação expressiva dos partidos de centro-esquerda.
Para cumprir acordo com o fascismo, lançou ao vento a tentativa de anistiar os golpistas e livrar o futuro presidiário da inelegibilidade. Se a sociedade não reagir e barrar sua tentativa de golpear a democracia, ela poderá prosperar. Inventou uma tese tosca de que a tentativa de golpe filmada, fotografada, gravada e televisionada não era golpe, pois o chefe do golpe sequer estava no Brasil. Claro que ele sabe que está mentindo, mas, para açular os radicalizados, qualquer mentira é suficiente. Como bem observou a professora Lilia Schwarcz, o mais jovem presidente da Câmara ou "faltou na aula de ciência política e de atualidades" ou "sofre de amnésia seletiva". Eu, particularmente, aposto nas duas opções.
E isso é apenas o começo. Com a ajuda onipresente de Eduardo Cunha, que despacha do gabinete da filha-deputada, dias muito piores virão.
Com certeza, novas formas de assaltos legislativos ao orçamento da União serão criadas, novas violências contra o Estado de Direito serão perpetradas, novas formas de corrosão da democracia serão "legitimamente" votadas na Câmara.
Enfim, o horizonte próximo tem cheiro de enxofre.