OS DIAS DE TORMENTO NO CENTRO CÍVICO DE CURITIBA

por Valéria Prochmann -------- Imagem emblemática da desordem que se instalou no Centro Cívico de Curitiba em 15/3/25. ---------------- Ludibriadas pelo marketing político e comercial, as pessoas subiram em tudo porque não conseguiam ver o show. Fatos descritos pelos próprios participantes revoltados e frustrados em centenas de comentários nas redes sociais. Enquanto isso, os políticos riam e brindavam no confortável "camarote VIP" regado a mordomias. Quando a viatura foi vandalizada, policiais civis prestavam atendimento a uma gestante que passou mal sem que uma ambulância pudesse chegar. Além disso, evitaram o desabamento de um ponto de ônibus no qual o público havia subido e sob o qual havia pessoas apinhadas, incluindo idosos e crianças. Duas pessoas que subiram na viatura estão presas sem fiança e as demais estão sendo identificadas para serem responsabilizadas. Na falta de arquibancadas adequadas e no afã de assistirem ao show, várias pessoas desacataram autoridades policiais. Por sete dias, moradores, trabalhadores e o comércio local foram oprimidos e tiveram seus direitos individuais e coletivos violados. Sem edital, o domínio público do Centro Cívico foi transferido temporariamente a uma empresa privada predatória, social e ambientalmente irresponsável. A incompetência não poupou crianças - muitas perdidas por falta de pulseirinhas - e até o aturdido cachorro Caramelo cujo desespero na avenida evidenciou o profundo sofrimento animal. Não instalaram sequer recipientes para artigos proibidos, os quais eram descartados no asfalto. Evento démodé: culto ao carro veloz e a um produto nocivo à saúde (energético) se ingerido abusivamente ou associado à bebida alcoólica, sem qualquer mensagem de advertência por parte das autoridades sanitárias e na contramão do esforço da campanha de segurança viária deste ano cuja mensagem é #desacelere. Sofreram moradores, incluindo Pessoas com Deficiências, pois a mobilidade e a acessibilidade foram bloqueadas. Rampas foram fechadas por gradis. Pontos e tubos de ônibus foram desativados, obrigando os passageiros de 27 linhas a embarcarem ou desembarcarem antes ou depois e fazerem os percursos a pé ou em cadeira de rodas, muitos atrasando-se até 45min para o serviço. Outros milhares de passageiros de linhas que cruzam o bairro também foram prejudicados, incluindo estudantes. A Red Bull impediu pedestres de atravessarem as ruas. Motoristas de acessarem seus domicílios. Comerciantes de abrirem suas portas, a exemplo de uma imobiliária que precisou fechar no sábado - dia favorável a vendas. Implantou "portões de acesso" à Avenida Cândido de Abreu, com filas desorganizadas. Até os moradores de rua sumiram misteriosamente. A minha quadra ficou dias sem coleta de lixo, sem que os condomínios fossem orientados sobre o descarte. Para acessar as garagens nos dias anteriores ao evento, os moradores eram compelidos a trafegar na contramão. No dia, não podiam sair de carro, táxi, uber ou ônibus - somente a pé, mas limitados pelos portões de acesso à Avenida Cândido de Abreu para os quais havia filas desorganizadas. Entre os trabalhadores prejudicados estavam porteiros, serventes, cuidadoras, comerciários, entregadores, balconistas, taxistas e motoristas de aplicativos, lavadores de carros, operários da construção civil, auxiliares de médicos e dentistas. Comerciantes locais e profissionais liberais tiveram dias de prejuízo. Em dias úteis, as pessoas tinham compromissos profissionais, busca-e-leva dos filhos, consultas, exames e procedimentos médicos (muitos idosos), mudanças de domicílio, reuniões familiares. O funcionamento normal dos serviços públicos aos cidadãos - inclusive da Justiça - foi gravemente afetado, ensejando a dispensa para home office decidida na última hora. O ruído urbano foi agravado a níveis insuportáveis, desde a montagem de estruturas - inclusive nas noites - até o ronco dos motores, a locução e a execução musical. Tudo isso somado a duas obras de construção civil de grande porte em curso no bairro. O patrimônio histórico do Estado do Paraná foi desonrado. Até o Palácio Iguaçu foi iluminado com as cores do produto! Uma lei municipal que sequer tinha entrado em vigor foi revogada às pressas para favorecer negócios de empresas de fora de Curitiba. Bares foram instalados na Avenida Cândido de Abreu, a qual por sinal se encontra em petição de miséria, com asfalto remendado, desnivelado e rachado; calçadas esburacadas, placas de sinalização vandalizadas, sinalização viária desgastada e árvores infestadas. Todo urbanista que se preze sabe que a qualidade de vida dos moradores vem em primeiro lugar. O turismo não pode ser predatório. Arrecadação não pode ser à custa do tormento, do sofrimento e do desespero dos munícipes, que têm direito ao espaço público ordenado, tranquilo, seguro e salubre. O ShowRun de horror comprometeu o tripé da ordem pública: segurança, tranquilidade e salubridade. Há rumores de que São Paulo recusou o ShowRun, desmistificando a falácia de que "Curitiba foi escolhida". Todo esse transtorno faz lembrar o mais recente filme de Woody Allen, "Golpe de Sorte em Paris", no qual o personagem adulto rico, poderoso e sociopata brincava de autorama. Quando aprenderemos a eleger políticos sérios, líderes servidores que dediquem seu tempo a resolver os reais problemas do povo, que respeitem e valorizem a institucionalidade, os direitos dos cidadãos e o patrimônio público? Que cumpram a missão de governar com seriedade? PARA REFLEXÃO: Qual é o papel do líder político: cuidar das pessoas ou ser garoto propaganda de bebida?