por Ricardo Queiroz ----------
Sérgio Moro já foi tratado como se fosse alguma coisa séria. Um herói, um paladino. Tinha aquele jeito truncado de falar, o rosto sempre tenso, os silêncios estudados. Um tipo de autoridade que funcionava bem num país que aprendeu a respeitar o que não entende e o que convém.
Durante um tempo, ele virou a imagem da honestidade para uma parcela da população que já tinha desistido de entender política e passou a desejar punição. Um juiz que falava pouco, prendia muito e sorria quase nunca — parecia confiável. Ainda mais quando os alvos eram sempre os mesmos.
Não precisou provar quase nada. Bastava insinuar. Bastava vazar. Conversas privadas, sem valor legal, se tornavam escândalo. Delatores eram pressionados a “lembrar” do que não tinham dito antes. Sentenças eram escritas com base em convicção. O processo era só o enfeite. A culpa já estava pronta. Tudo sob uma aura de Eliot Ness do lavajatismo.
Mandou prender Lula num caso em que não havia posse, escritura, benefício direto ou qualquer laço objetivo entre o ex-presidente e o famigerado triplex. Concedeu coletiva para justificar sua decisão — algo que nenhum juiz sério faz. Apressou a tramitação para impedir a candidatura. Virou ministro de quem herdou a eleição. Posou ao lado do mito. E achou isso normal. Foi um Ministro da Justiça funesto.
Teve a cara de pau de dizer que não tinha interesse político. Depois pulou de cargo em cargo, de partido em partido, de estado em estado — tentou ser presidente, depois senador por São Paulo, depois senador pelo Paraná. Uma biografia marcada por fuga, conveniência, presepada e crime.
Foi trabalhar numa consultoria americana, Alvarez & Marsal, que faturou alto com a recuperação judicial de empresas quebradas pela operação que ele mesmo liderou. Recebeu quase 4 milhões. Disse que foi “serviço técnico”. Serviço técnico que começa com destruição e termina em comissão.
Enquanto isso, fingia combater a corrupção. Mas silenciou sobre Queiroz. Ignorou as milícias. Engavetou o caso Marielle. Nunca encostou em Wassef. Nunca tocou nos filhos do chefe.
Como senador, virou réu por abuso de poder econômico. Pagou impulsionamento irregular, usou o próprio prestígio midiático como máquina de campanha, driblou regras eleitorais como quem dribla a ética desde sempre.
No campo do vexame, coleciona frases tortas, lapsos grotescos de raciocínio, discursos em que tropeça nas próprias palavras. Quando tenta falar de política, escorrega. Quando tenta falar de justiça, mente. Quando tenta parecer culto, só parece confuso e ignorante.
Mas o que mais impressiona ainda não é ele. É o entorno. Como é que um homem tão intelectualmente limitado, sem traço algum de grandeza, sem qualquer ideia sobre o país, conseguiu enganar tanta gente? Como uma biografia tão desastrosa passou incólume tanto tempo?
Talvez porque não estivesse sozinho. Sérgio Moro é o que acontece quando uma sociedade troca projeto por ressentimento, justiça por vingança, política por polícia. Ele foi o herói da desinformação e da hipocrisia. Produto da ignorância com diploma. Um personagem moldado sob medida para uma classe média que se acha esclarecida, mas só quer ordem, inimigos e cafonice.
Hoje, segue no cargo por um fio. Uma figura miserável. Não foi cassado por irrelevância. Mas mesmo que saia, não será o fim. Porque o que ele simboliza continua aí: essa vontade de resolver tudo com juiz, moralismo e farsa essa crença de que basta alguém “limpo” para varrer o resto, essa recusa em pensar a política como conflito — e não como faxina.
Moro não caiu. Moro sempre esteve abaixo. A gente é que, por um tempo, resolveu olhar torto demais para cima.
A tragédia — e a farsa — da despolitização.