Do Cristóvão Feil ------------
A China parou de comprar dívida estadunidense. O sistema do dólar está entrando em colapso. Não se trata apenas de uma mudança econômica. É o fim da velha ordem mundial, desde 1944, no marco de Bretton Woods. Eis o que vem a seguir.
A China tem superávit comercial. Costumava investir os lucros na dívida estadunidense. Essa era acabou. Pequim parou de comprar notas promissórias de um império em declínio.
Primeira parada: ativos reais. A China está estocando cobre, lítio, cobalto, petróleo e soja. Estes não rendem 3%. Mas não podem ser congelados, desvalorizados ou sancionados. Eles armazenam poder, não promessas.
Segundo movimento: diplomacia de infraestrutura. A Iniciativa Cinturão e Rota não é caridade. A China troca pontes, portos e linhas de energia por acesso a commodities e influência política. O FMI programa palestras e blablablá. A China fornece estradas.
Terceira estratégia: propriedade global. Por que comprar títulos do Tesouro USA quando você pode ser dono da mina? O capital chinês está fluindo para portos, energia, ferrovias, tecnologia e terras agrícolas, da Argentina ao Cazaquistão.
Quarto ângulo: swaps cambiais. A China está impulsionando o comércio através de sua moeda (o RMB*) com a Rússia, Irã, Paquistão e Brasil. Não precisa de dominação global. Apenas confiança bilateral suficiente para matar o dólar em corredores-chave do comércio mundial.
Quinto movimento: investimento interno. Esse excedente não é desperdiçado. Está construindo chips (da espessura de um átomo), trens, energia verde e cadeias de suprimentos de veículos elétricos. A China não precisa de retorno financeiro. Precisa de retorno político-estratégico.
A China sabe que a dívida dos USA é um jogo manipulado. Não é rendimento. É tributo. Você nos empresta seu excedente. Nós imprimimos papel. Nós sancionamos quando queremos. Pequim já está farta.
Em vez de comprar títulos, a China está ganhando tempo. Hora de reconectar os fluxos comerciais. Hora de aumentar a base de consumidores. Hora de bloquear recursos. Hora de construir um mundo onde o domínio do dólar seja opcional.
Este não é um problema financeiro para a China. É uma mudança de identidade. De credor passivo para moldador ativo do sistema global. O superávit é uma espada. Não uma conta poupança.
Enquanto isso, os USA ainda precisam de alguém para comprar a dívida. Trilhões a mais a cada ano. Mas a multidão está diminuindo. O Japão está envelhecendo. A Europa está falida e colonizada. A China não vai voltar a comprar papel pintado.
Os juros sobem. A inflação retorna. O FED imprime. O mercado de títulos afunda. E ninguém quer admitir que a festa acabou. Mas acabou. A China (e os BRICS) são apenas os primeiros a sair do cassino.
O novo jogo é o controle de recursos (que garante o lastro material da moeda, caso contrário, será apenas papel-pintado, como o dólar, hoje). Domínio da infraestrutura. Soberania tecnológica. Não o falso rendimento das planilhas. E a China não está jogando para ganhar o jogo antigo. Ela está aqui para encerrá-lo, definitivamente.
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Com informações de um texto do analista geopolítico William Huo, dirigente da Intel em Pequim.
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(*) O Renminbi, muitas vezes referido como RMB, é a moeda oficial da República Popular da China. Seu nome significa "moeda do povo" ou “moeda popular”.
A unidade básica do Renminbi é o yuan. Frequentemente, as duas palavras são usadas de forma intercambiável, mas tecnicamente, renminbi é o nome da moeda em si, enquanto yuan é utilizado para o dinheiro circulante.
No Reino Unido, por exemplo, a moeda se chama Libra Esterlina (sterling), enquanto a unidade de conta é a libra (pound).
Antes de adotar o Euro, outro país que usava dessa divisão era Portugal. Enquanto a moeda corrente eram os Escudos, muitos preços eram indicados em Contos (unidade de conta).