Depois de esvaziar CPI, lobby das apostas online segue aumentando poder no Congresso
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Alessandra Medina e João Batista Jr. na Revista Piauí -------
A CPI das Bets prometia no ano passado abalar a jogatina online, que movimenta bilhões e bilhões de reais por mês. Os trabalhos começaram em ritmo industrial no Congresso. Já na segunda reunião, em 19 de novembro de 2024, os senadores convocaram 57 pessoas para depor e convidaram mais de 70 para prestar esclarecimentos. Também aprovaram 37 pedidos de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) – que reúnem transações bancárias suspeitas de uma pessoa ou uma empresa.
Na terceira reunião da CPI, outra leva de pedidos: 24 convites, 1 RIF e 1 convocação, a do cantor sertanejo Gusttavo Lima, que foi alvo de um pedido de prisão, depois revogado. Na quarta sessão, o fôlego aumentou: 17 RIFs, 6 convites, 3 convocações. Mas alguma coisa começou a mudar. Os pedidos, que antes eram imediatamente ratificados, começaram a não ser sequer apreciados. Na quinta sessão, houve 99 pedidos de RIFs e nenhum foi analisado.
No dia 12 de junho passado, depois de sete meses de existência, a CPI colocou em votação o seu relatório final. O documento foi rejeitado pelo Senado.
A relatora Soraya Thronicke (Podemos-MS) apresentava dezenove projetos de lei para conter os danos provocados pelas apostas virtuais e pedia o indiciamento de dezesseis pessoas, inclusive Fernando Oliveira Lima, da One Internet Group (OIG), conhecido como Fernandin OIG, por suspeita de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Outras pessoas citadas são figuras conhecidas do mundo digital, como as influenciadoras Virginia Fonseca e Deolane Bezerra.
Encerrada sem relatório final, a CPI nada fez de concreto, mas deixou entrever uma aliança poderosa dos donos da jogatina online com certos políticos, juízes, artistas e bicheiros. Por receio das ameaças que vinha recebendo, Thronicke não incluiu os dados oficiais dos RIFs no relatório final, mas a piauí teve acesso ao seu conteúdo. Nos documentos, há uma coleção de informações que sugerem relações suspeitas, informam Alessandra Medina e João Batista Jr. na edição deste mês da revista.
O RIF de Fernandin, por exemplo, mostra que seu patrimônio passou de 36 milhões de reais em 2022 para 143 milhões de reais 2023 – um crescimento de 300%. Os autores do relatório financeiro não encontraram uma explicação plausível para a expansão da fortuna. Uma operação chamou a atenção: envolvia transações imobiliárias com uma incorporadora de Teresina que tem entre os sócios a empresa Ciro Nogueira Agropecuária e Imóveis, que pertence ao senador do Progressistas. Documentos mostram também que, entre 2023 e 2024, uma das empresas de Fernandin despachou oito cheques, num total de 1,8 milhão de reais, em favor de uma empresa da qual Gusttavo Lima é sócio.
Durante o seu depoimento na CPI, Fernandin foi indagado sobre sua amizade com o ministro Kassio Nunes Marques, do STF. Ele disse que o ministro é seu amigo de longa data. “De mais de dez anos atrás, de lá do Piauí, de panelada, de comer buchada de bode e galinha caipira.” Fernandin também confirmou na CPI ter dado carona a Nunes Marques até a ilha de Mykonos, na Grécia, para a festa de aniversário de Gusttavo Lima.
As bets neutralizaram a CPI do Senado com facilidade. “As bets têm influência econômica na sociedade e no Parlamento. Na verdade, elas têm lobby em todos os poderes”, diz Alessandro Vieira, o vice-presidente da CPI. No Congresso, a bancada do Tigrinho já começa a rivalizar em poder e influência com outros grupos de interesse, como as chamadas bancadas da bala, do boi e da Bíblia.