Por Milton Alves* ---------
Um axioma popular, atribuído ao lendário e saudoso Leonel Brizola, diz que se “a Rede Globo é contra, eu sou a favor”. Ao longo do tempo, o prognóstico brizolista foi confirmado pela realidade. A Rede Globo, por exemplo, foi contra a criação do 13° salário para o trabalhador, foi também contra a campanha pelas diretas já, entre outras reivindicações populares justas, legítimas e necessárias ao país.
O Globo, seguindo sua tradição antipovo, em editorial publicado neste domingo (12), com a chamada “Lula deve evitar populismo da tarifa zero”, ataca a medida e afirma que “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometerá um enorme equívoco se embarcar no populismo da tarifa zero para o transporte público”.
O editorial argumenta ainda que “o governo federal não deveria se meter com tarifas de ônibus” e tenta apresentar a tarifa zero com uma política de pouca viabilidade na prática e de reduzida eficácia.
Os argumentos apresentados são pífios e cita a cidade de Maricá (RJ) – um exemplo bem sucedido na implantação da tarifa zero – de possuir condições “muito específicas”, devido a arrecadação de royalties do petróleo. O texto não fala de cidades como São Caetano (SP), Balneário Camboriú (SC), Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (CE) e Paranaguá (PR), cidades de porte médio, onde a tarifa zero melhorou o sistema de transporte público e o executivo municipal garante a sustentabilidade da medida, que conta com amplo respaldo das populações locais.
Apesar de reconhecer que o atual modelo de financiamento do transporte público é “insustentável”, movido por uma montanha de dinheiro das prefeituras, com subsídios milionários para os empresários da catraca, o texto tira uma conclusão parcial e fragmentada da proposta de adoção da tarifa zero universal. “Obviamente, o custo dos deslocamentos pesa no orçamento das famílias de baixa renda e, por vezes, funciona como limitador para quem mora nas periferias obter empregos de melhor remuneração. Mas existem outras políticas públicas de inclusão com foco na população carente, como vale-transporte, bilhete único, além das gratuidades que muitas cidades e estados já adotam para estudantes da rede pública, idosos e deficientes. O mais sensato é dirigir os subsídios a quem realmente precisa, e não para garantir receitas às empresas de ônibus, num setor já assolado por corrupção e infiltração do crime organizado”.
O que O Globo não consegue vislumbrar é a necessidade de uma mudança profunda no sistema, mesmo as medidas parciais defendidas no editorial têm um alcance limitado sem uma presença efetiva e real do poder público no comando do setor do transporte de massas.
E para responder de forma estrutural ao problema do transporte público no Brasil tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição – PEC 25/2023 – que cria “o Sistema Único de Mobilidade (SUM), autorizando a União, Estados e Municípios a instituírem contribuição pelo uso do sistema viário, destinado ao custeio do transporte público coletivo urbano”.
Ao mesmo tempo, o presidente Lula recomendou ao Ministério da Fazenda estudos para viabilizar uma proposta para reduzir ou eliminar tarifas de ônibus no transporte público por meio de um subsídio cruzado, via uma pequena taxa na venda da gasolina — outros mecanismos estão sendo debatidos para viabilizar a tarifa zero.
Por fim, o domingueiro editorial do jornal da família Marinho adverte o presidente Lula: “O governo Lula faria bem se resistisse ao populismo tarifário e deixasse a questão do transporte urbano aos responsáveis: prefeitos e governadores”.
Tudo indica que a “advertência global” vai na contramão da vontade do presidente Lula, que sintonizado com a justa demanda popular levantou a bandeira da tarifa zero — uma política pública necessária para encurtar as enormes distâncias sociais e a segregação territorial existente no país.
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*É colunista em diversos sites e portais da mídia progressista e de esquerda. Autor dos livros ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país [Kotter, 2022] e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil [Kotter, 2021], entre outras obras. Graduado em Gestão Pública pela UFPR e com Pós-graduação em Ciência Política. Ativista social e militante político, integra a direção estadual do PT-PR.