O HAMAS VENCEU

O jornal israelense Yedioth Ahronoth saiu há alguns dias com a chamada "Israel perdeu a guerra". No jornal Maariv, o analista Avi Ashkenazi concluiu que o Hamas conseguiu alcançar vários dos seus objetivos durante o conflito, diferentemente de Israel. No Canal 12 o analista Avi Issacharoff ecoou o sentimento, afirmando que Israel não conseguiu alcançar seus principais objetivos. O clima fúnebre se estende entre os outros jornais e canais de TV em Israel, que expressam de forma quase unânime a sua insatisfação com os resultados alcançados por Benjamin Netanyahu e com o papel desempenhado por Donald Trump nisso tudo. Como a guerra é "política por outros meios" e é travada sempre para atingir fins políticos, o resultado de uma guerra só pode ser analisado com base no sucesso de cada um dos lados de alcançar os seus objetivos políticos durante o conflito. Os objetivos do Hamas ao lançar a Operação Dilúvio Al-Aqsa eram: 1) Interromper planos israelenses iminentes de ocupar a Esplanada das Mesquitas; 2) Recolocar a discussão da outrora esquecida criação de um Estado palestino na ordem do dia das organizações internacionais; 3) Garantir a libertação dos 10 mil civis palestinos sequestrados e mantidos em prisões israelenses; 4) Romper o bloqueio de 17 anos imposto à Faixa de Gaza; 5) Interromper a normalização diplomática árabe com Israel até que ela esteja acompanhada da questão do Estado palestino; 6) Reverter o expansionismo israelense na Cisjordânia. Os objetivos de Israel, por sua vez, foram sendo construídos ao longo dos primeiros meses do conflito Israel-Gaza, podendo ser resumidos da seguinte maneira: 1) Fim do Hamas e dos grupos armados aliados ao Hamas na Faixa de Gaza; 2) Expulsão dos palestinos da Faixa de Gaza para outros países; 3) Anexação gradual da Faixa de Gaza para fins de colonização por kibbutzim; 4) Na medida em que ainda sobrassem palestinos na Faixa de Gaza em qualquer quantia significativa, o estabelecimento de um governo local pró-Israel para governá-los no lugar do Hamas; 5) Libertação de todos os prisioneiros israelenses em Gaza; 6) Assegurar o retorno seguro dos israelenses que viviam nos arredores de Gaza às suas casas. Se analisarmos os resultados alcançados com base nisso, portanto, teremos que concluir que Israel, finalmente, conseguiu libertar os prisioneiros israelenses, ainda que não por meios militares. E, tecnicamente, este foi o único objetivo alcançado por Israel em Gaza. O Hamas segue ativo e já marchou e se apresentou abertamente por toda Gaza após o início do cessar-fogo. Os palestinos não saíram de Gaza. As forças israelenses tiveram que se retirar de todo o território e nem um único centímetro quadrado de terra será anexado por Israel. E é duvidoso se os israelenses que viviam nos arredores de Gaza vão querer voltar para a zona. A isso é necessário somar a maior quantidade de baixas militares e civis desde a Guerra de 1948, uma queda de 70% em importações e 40% em exportações, 80 mil empresas fechando as portas, e o pior de tudo: a obliteração completa de todo o crédito diplomático acumulado por Israel desde 1945, o absoluto isolamento internacional, além da exposição total da Hasbará aos olhos do mundo. Quanto aos objetivos do Hamas, interromperam-se as aventuras e provocações daqueles que pretendiam reconstruir o Templo de Salomão, 2200 prisioneiros palestinos terão sido libertados ao final da execução do acordo, a aproximação árabe-israelense foi interrompida, o debate sobre o Estado palestino voltou a ser levado a sério, o futuro governo de Gaza provavelmente contará com algum grau de suporte internacional e não estará isolado como estava antes. A ocupação gradual da Cisjordânia, porém, deve continuar. Para além disso, o Hamas permanece armado e atuante, e mesmo que saia do governo de Gaza e haja eleições livres em breve por lá, o Hamas certamente será capaz de influenciar o resultado.