AUTORIDADE PALESTINA NEGA PASSAPORTE A CIDADÃO "NÃO ALINHADO"

por Ricardo Mohrez Muvdi¹ ----------------- Por que o passaporte palestino é negado àqueles que não se alinham à Autoridade Palestina? Em qualquer nação do mundo, o passaporte é um direito fundamental da cidadania. Não é um prêmio, um favor político ou um mecanismo de controle. É o documento que certifica a identidade, o pertencimento e a existência legal de uma pessoa perante o mundo. Mas, no caso palestino, sob a estrutura criada pelos Acordos de Oslo e administrada pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), esse princípio fundamental tornou-se uma ferramenta de chantagem política. --------- O passaporte como arma de punição e obediência ----------- É cada vez mais evidente que os passaportes palestinos são concedidos ou negados não com base em critérios legais ou administrativos, mas sim de acordo com a disposição de cada pessoa em se alinhar à narrativa, aos interesses e à autoridade política de Ramallah. Aqueles que criticam, aqueles que se organizam independentemente, aqueles que exigem reformas, aqueles que denunciam a corrupção ou a falta de coordenação na segurança, descobrem rapidamente que seus pedidos são "atrasados", "congelados" ou simplesmente "não processados". É uma prática vergonhosa que não tem justificativa moral ou nacional. Porque quando uma autoridade usa um passaporte para punir a dissidência, está declarando abertamente que sua prioridade não é representar seu povo, mas controlá-lo. ------------- A Diáspora: O Alvo Mais Fácil ------------ A maioria do povo palestino vive na diáspora. Milhões dependem de um passaporte para viajar, trabalhar, estudar, abrir negócios ou mesmo entrar na Palestina. Negar a um palestino na diáspora seu próprio documento nacional é uma forma de apagá-lo. De excluí-lo da vida nacional. De impor um preço por pensar diferente. É isso que a luta do nosso povo por mais de cem anos buscou? Um documento condicionado à obediência política? Uma autoridade que age como se fosse dona da Palestina e de seu povo? ---------- Um Aparato que Reproduz a Lógica Colonial ----------- A contradição é brutal: enquanto o ocupante controla fronteiras, terras e circulação, a Autoridade Palestina (AP) controla documentos, procedimentos e identidades. Entre eles, criaram uma barreira: uma física, a outra burocrática. E no meio permanece o palestino comum, forçado a demonstrar lealdade a uma autoridade que não o representa nem o defende. Qualquer um que ouse questionar a coordenação de segurança, a corrupção ou a ilegitimidade de uma liderança entrincheirada há duas décadas é punido como se sua identidade nacional fosse propriedade da Autoridade Palestina. Mas a identidade palestina não pertence a uma elite política, nem a um aparato de segurança, nem a um grupo de funcionários. A identidade palestina pertence unicamente ao seu povo, àqueles que resistem na pátria e àqueles que mantêm viva a memória no exílio. Negar um passaporte é negar a Palestina. Quando a Autoridade Palestina nega um passaporte, não está punindo um indivíduo: está rompendo um laço nacional. Está dizendo: “A Palestina que administramos é apenas para aqueles que obedecem.” Mas a Palestina nunca foi isso. A Palestina é luta, pluralidade, dignidade, história, raízes, memória e resistência. Nenhuma autoridade tem o direito de transformar a identidade palestina em um mecanismo de exclusão política. Nenhum funcionário público tem a autoridade moral para decidir quem “merece” ser palestino e quem não merece. --------- A solução: despolitizar a identidade e devolvê-la ao povo. -------- O passaporte palestino deve se tornar o que sempre deveria ter sido: um documento nacional, não um instrumento de poder. Um direito garantido a todos os palestinos, dentro e fora da pátria, sem vetos, sem medo, sem punição política. Uma estrutura nacional que realmente represente o povo palestino — todos eles, não apenas aqueles que dançam conforme a música da Autoridade Palestina — ainda precisa nascer. Uma estrutura que veja cada palestino como um membro legítimo da nação, independentemente de sua opinião política. ------------- A Palestina é pertencimento. ---------- E pertencer à Palestina jamais poderá depender da aprovação de uma autoridade que perdeu o rumo, a legitimidade e, o mais grave, a conexão com o seu próprio povo. ----------------- Ricardo Mohrez Muvdi, é palestino, nascido em Beit-Jala, Palestina (1952). Refugiado na Colômbia, é administrador de empresas e presidente da União Palestina da América Latina (UPAL).