O buraco ideológico é mais embaixo. Em agosto deste ano, a Havaianas foi alvo de críticas nas redes após veicular campanhas publicitárias em Israel e exibir produtos estampados com a bandeira sionista
Por: Francisco Fernandes Ladeira na Revista Forum -----------
O buraco ideológico é mais embaixo. Em agosto deste ano, a Havaianas foi alvo de críticas nas redes após veicular campanhas publicitárias em Israel e exibir produtos estampados com a bandeira sionista
Por: *Francisco Fernandes Ladeira*
A política nem sempre se faz apenas por meio das instituições. Ela está em toda a sociedade, inclusive onde menos imaginamos – como nas peças publicitárias. É o caso do novo comercial das sandálias Havaianas, estrelado pela nova musa da esquerda brasileira, Fernanda Torres, protagonista do filme “Ainda Estou Aqui”.
Na propaganda, Fernanda, em tom provocativo, afirma: “Desculpa, mas eu não quero que você comece 2026 com o pé direito”. Em seguida, a atriz adverte: “Isso não tem nada a ver com a sorte. O que eu desejo é que você comece o Ano Novo com os dois pés. Os dois pés na porta, os dois pés na estrada, os dois pés na jaca, os dois pés onde você quiser”.
Foi o suficiente para setores da extrema direita chiar nas redes sociais. Por outro lado, parte da esquerda vibrou, pois, para esses segmentos, o mais importante no debate público é contrariar o bolsonarismo.
Contudo, parafraseando o dito popular, o buraco é mais embaixo. Em agosto deste ano, a Havaianas foi alvo de críticas nas redes após veicular campanhas publicitárias em Israel e exibir produtos estampados com a bandeira sionista. Esse fato, por si só, já seria suficiente para que a esquerda não celebrasse qualquer propaganda da marca.
Também, 2026 é ano eleitoral. Seria ingênuo acreditar que a peça publicitária não está vinculada ao próximo pleito. Nesse ponto, convenhamos, a extrema direita foi perspicaz. Ainda assim, não se trata de uma campanha contra a direita especificamente. Se Fernanda Torres tivesse dito para começar o ano com o pé esquerdo, aí sim poderíamos falar em defesa de um lado do espectro político. Não foi o que vimos.
Portanto, o comercial da Havaianas se insere naquilo que o professor Wilson Ferreira, do Cinegnose, chama de semiótica do “nem-nem”. Ou seja: “nem Lula, nem Bolsonaro”; “nem extrema direita, nem esquerda”. A solução apresentada para esse imbróglio é a “moderação”, a “terceira via” que a direita tradicional, por meio da grande mídia, busca pelo menos desde 2019, quando o fracasso do governo Bolsonaro já se tornava evidente.
Portanto, a campanha da Havaianas foi um sucesso – não necessariamente de público, mas em sua intenção política. Ao despertar a fúria da extrema direita, atraiu a esquerda a reboque. Se o campo progressista estivesse mais preocupado em denunciar as manobras da direita tradicional do que em se opor ao decadente bolsonarismo, teria visualizado a jogada. Mas, infelizmente, não é o que temos observado.
Dessa forma, corremos o risco de, no próximo ano, parte da esquerda contribuir para ressuscitar a direita tradicional em nome do combate à extrema direita. É o espantalho perfeito.

